O legalismo ilegal

Sexta feira da Décima Nona Semana do Tempo Comum. O final de semana sendo pre-anunciado de forma diferente. Direto da capital do Estado de Mato, onde acabei de chegar, rascunhando mais um rabisco na tela do celular. Cuiabá sendo “Cuiabrasa”, calor a toda prova. Quem não tem notebook caça com a telinha, parafraseando o dito popular.

18 de julho é um dia especial para o Povo Negro de todo o mundo. Comemoramos hoje o Dia Internacional Nelson Mandela (1918-2013), instituído em 2009 pela Organização das Nações Unidas (ONU). No dia de seu natalício, se faz também a homenagem à luta deste sul-africano na resolução de conflitos, na relação entre as raças, na luta pela liberdade, justiça e promoção dos Direitos Humanos.

Mandela ficou preso injustamente por 27 anos. Mesmo assim, não alimentava nenhum sentimento de vingança. Lutou contra as duras políticas públicas do Apartheid, que era o sistema de segregação racial na África do Sul, recebendo inclusive o Prêmio Nobel da Paz em 1993. Em 1994, foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul.

Todavia, nem tudo tem sido flores na luta do Povo Negro. No dia de ontem (17), por exemplo, foi assassinada, a Ialorixa Maria Bernadete Pacífico. Ela que também perdeu o filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, assassinado há quase seis anos, no dia 19 de setembro de 2017. Mãe de santo ou Ialorixá é designação da pessoa responsável por conduzir um terreiro de Candomblé e a sua liturgia.

O dia 18 traz para nós uma reflexão bastante atual. A liturgia desta sexta feira nos encaminha a questão da fidelidade. Em outros momentos, bem que Jesus já havia dito: “Quem é fiel nas coisas pequenas também será nas grandes”. (Lc 16,10) Fidelidade esta que se prova na vivência do dia-a-dia.

No contexto do Evangelho de Mateus, os fariseus mais uma vez procuram Jesus para perguntar-lhe: : “É permitido ao homem despedir sua esposa por qualquer motivo?” (MT 19,3) O mais interessante a ser observado é que tal pergunta reflete bem o contexto da sociedade da época: legalista, machista, patriarcal. O homem podendo tudo na sua relação contra a mulher. Mais uma cilada preparada para Jesus.

O legalismo ilegal que Jesus faz questão de quebrar a sua espinha dorsal. Não é a lei, o papel ou a instituição, qualquer que seja ela, que determina a prática da fidelidade ou não. Quem é fiel, não precisa de alguém para dizer ou cobrar-lhe quanto ao seu ser fiel. Sua consciência já é suficiente para encaminhá-lo para a vivência madura de sua fidelidade.

Tudo na vida passa pelo prisma da fidelidade. Ela perpassa todos os nossos valores e o nosso ser neste mundo. Jesus sendo fiel a narrativa bíblica sobre a origem da criação. Deus, ao plasmar o ser humano neste mundo, o fez homem e mulher, mulher e homem. A plenitude da igualdade entre ambos sem que haja a superioridade de um sobre o outro.

Na relação que se estabelece entre ambos, na forma de matrimônio, requer o laço fecundo da fidelidade de ambos. Nesta relação está presente o sinal transcendente da amorosidade de Deus para com os filhos seus. O casal assim, representa esta mesma relação de ternura e amorosidade entre Deus e nós.

Não é de todo fácil ser fiel sempre. Requer um exercício contínuo e permanente de encontro direto com a nossa consciência. É ela que certifica o nosso ser fiel ou não. O legalismo é uma doença maligna que mata a consciência. Talvez tenha sido por isso que Jesus recusa ver a relação sagrada do matrimônio a partir de permissões ou restrições legalistas.

De fidelidade em fidelidade, este é o desafio para aqueles e aquelas que se propõem fazer a caminhada com Jesus. Ele é a Testemunha Fiel. Diante deste contexto, devemos sempre nos perguntar: até onde vai a nossa fidelidade? A nossa consciência dita o nosso ser fiel ou não? O nosso ser fiel só existe diante das cobranças que nos são feitas? Somos fiéis apenas para provar quem somos no cotidiano? Ou estamos entre aqueles sobre os quais Jesus assim o diz: “Nem todos são capazes de entender isso, a não ser aqueles a quem é concedido”. (Mt 19,11)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.