O martírio do profeta

Terça feira da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum. Neste dia, a Igreja Católica celebra o memorial do Martírio de São João Batista. Memória que faz parte da caminhada e da tradição do cristianismo que sobrevive ao tempo, graças aos registros históricos dos primórdios das comunidades primitivas. Quem é da educação sabe que a memória tem um papel fundamental na aprendizagem, uma vez que permite o reaproveitamento das experiências do passado e do presente e ajuda a garantir a continuidade do aprendizado. Memórias que se fazem na história e nos garante viver as experiências exitosas do passado. Como diria o filosofo Cícero: “A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos”.

Memória de São João Batista, o profeta, cuja missão (Precursor) coube anunciar a vinda do Messias. Ele fecha o ciclo do Antigo Testamento, abrindo as portas para a chegada do Messias. Outro profeta, bem antes de João, já anunciava a sua chegada: “Uma voz grita: abram no deserto um caminho para o Senhor; na região da terra seca, aplainem uma estrada para o nosso Deus”. (Is 40,3) Deus caminhando junto com o seu povo na ternura de um pastor/profeta que cuida do rebanho. João com a sua pregação do batismo e da conversão dos pecados, se tornou bastante conhecido, alcançando com seus ensinamentos muitas pessoas da Judéia e de Jerusalém. Mas a sua fala principal é a missão de anunciar Jesus.

João é tão importante para o projeto libertador de Deus que a Igreja reserva dois momentos para celebrar a sua memória: nascimento de João Batista (24 de junho) e a Solenidade do Martírio de João Batista, que estamos celebrando no dia de hoje. João tinha plena consciência de sua missão e a humidade suficiente para reconhecer que ele era um simples servo: “Depois de mim vem Aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno sequer de curvar-me para desamarrar as correias das suas sandálias”. (Mc 1,7)

João o profeta da teimosia, coragem e ousadia para se colocar nas mãos de Deus e assim cumprir a sua missão. Foi brutalmente assassinado por Herodes, um rei déspota que se achava no direito de tirar a vida das pessoas. Num banquete da morte da elite burguesa da época, a morte de João foi tramada, satisfazendo assim o ego e os caprichos daqueles que se vangloriam com a morte do inocente, sem que suas consciências diabólicas sintam-se incomodadas. Já nos alertava William Shakespeare: “O mal da grandeza é quando ela separa a consciência do poder”.

O profetismo, assim como o martírio, fazem parte da caminhada daqueles e daquelas que se colocam na mesma estrada com Jesus. Em pleno século XXI, estamos vendo acontecer a mesma crueldade que usaram contra o profeta João. O Padre Júlio Renato Lancellotti, é um destes profetas vivos entre nós. Nesta semana ele está sendo ameaçado de morte, através de um bilhete colocado à porta de sua igreja, por uma pessoa que, apesar da sua idade (72 anos), não aprendeu ainda com a experiência acumulada, os valores inerentes à vida humana. Tudo por causa do trabalho que Júlio faz há anos com as pessoas em situação de rua, de vulnerabilidade social, sem serem enxergadas pelos poderes públicos e por pessoas como este senhor do bilhete.

“Felizes os que são perseguidos, por causa da justiça do Senhor, porque o Reino dos Céus há de ser deles!” (Mt 5,10) É assim que o evangelista Mateus narra as Bem-Aventuranças ditas por Jesus. Apesar do clima de perseguição e morte, as bem-aventuranças são o anúncio da felicidade, porque proclamam a libertação, e não o conformismo ou a alienação. Quem é da verdade não teme colocar a vida em defesa da vida. Mal sabem os sanguinários perseguidores, que os profetas anunciam a vinda do Reino através da palavra e ação de Jesus. Através da ação dos profetas torna-se presente no mundo a justiça do próprio Deus. Justiça para aqueles que são inúteis ou incômodos para uma estrutura de sociedade baseada na riqueza que explora e no poder que oprime.

Diferentemente dos demais profetas do Antigo Testamento, João teve a felicidade de conviver pessoalmente com Jesus e até batizá-lo. Muitos dos profetas antigos quiseram ter esta mesma sorte. Este era o anseio de todos eles. João teve o privilegio de não somente conviver com o Messias, mas foi alguém que preparou o caminho para a chegada d’Ele. A morte de João Batista é o prenúncio do que vai acontecer com Jesus. Também ele vai ser perseguido, preso, torturado e morto pelas forças da morte, que não suportam conviver com a verdade de Deus. Parafraseando nosso bispo Pedro, o profeta sabe que maior que a sua vida são as suas causas. A vida do profeta João nos faz lembrar, deste mantra musicado pelo nosso menestrel Zé Vicente: “Vidas pela Vida, vidas pelo Reino, todas as nossas vidas, como as suas vidas, como a vida dele, o mártir Jesus”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.