A Igreja do caminho

Terça feira de Vigésima Sexta Semana do Tempo Comum. Outubro recebeu de setembro as altas temperaturas e segue abraçado com elas. Poucas chuvas caíram sobre a nossa Amazônia. Rios secando e a mata incendiando. Uma primavera com a cara e o jeitão do verão. “Os tempos são outros”, disse-me uma das antigas lideranças de nossa Prelazia. Mas isto pouco importa para a sociedade do capital financeiro, que segue cultuando Moloque (Moloc), o deus dos amonitas, uma etnia de Canaã, na península arábica e na região do Oriente Médio. Por incrível que pareça, na terra de Canaã, o culto a Moloque ficou conhecido pelo sacrifício de crianças em honra ao ídolo. Sacrificam o presente, comprometendo o futuro de todos nós.

Rezei nesta manhã às margens do Araguaia. O sol nem havia chegado e lá estava eu contemplando as maravilhas de Deus, juntamente com um bando de papagaios que tomaram conta das árvores do cais. Papai e mamãe ensaiando os primeiros voos com os bebes papagaios. Uma tagarelice só, louvando e bendizendo o Criador, pelo dom gratuito da vida e a graça de mais uma manhã, apontando no horizonte. O dia amanheceu tão lindo que o Artista Principal estava vivo dentro dele, manifestando toda a sua Majestade Ternural de Amorosidade. Somente a fé é capaz de motivar-nos este olhar sobre a manifestação da natureza. Lembrei-me de Santo Agostinho quando dizia: “Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus nela escreva o que quiser”.

Estamos às vésperas da abertura da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária, onde os bispos e outros participantes se reúnem para recolher os frutos dos processos prévios da escuta sinodal. Neste Sínodo, essa assembleia será celebrada em duas sessões com um ano de diferença: de 4 a 29 de outubro de 2023 e em outubro de 2024. Lembrando que em 10 de outubro de 2021, o Papa Francisco convocou o Sínodo para aprofundar o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. O Sínodo dos Bispos é um organismo consultivo que pede aos bispos de todo o mundo que participem no governo da Igreja, apontando ao Papa as diretrizes de interesse para a Igreja universal. A palavra “sínodo” deriva da língua grega e expressa a ideia de “caminhar juntos”.

Caminhar juntos com Jesus, traçando na história a perspectiva da Igreja do Caminho. Caminhar como Jesus que no dia de hoje, segundo o texto da liturgia, Ele está iniciando o seu percurso rumo à Jerusalém: “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. (Lc 9,51) Jerusalém, centro do poder politico, econômico e religioso. Lugar do confronto entre a Palavra da verdade e da vida e as estruturas de morte. Exatamente como previra o profeta Isaías: “Ele foi maltratado, humilhado, torturado; contudo, não abriu a sua boca; agiu como um cordeiro levado ao matadouro; como uma ovelha que permanece muda na presença dos seus tosquiadores ele não expressou nenhuma palavra”. (Is 53,7)

Caminho que a gente é, caminho que a gente faz. Caminhar com Jesus rumo ao Projeto do Reino. Lucas é o evangelista que nos mostra claramente a pedagogia do caminho de Jesus. Neste seu caminho, Jesus inicia o processo de libertação na história e, por este motivo, realiza a nova história: a história dos pobres e oprimidos que são libertos para desfrutarem a vida dentro de novas relações entre as pessoas. O programa da ação libertadora de Jesus já havia sido anunciado no seu discurso na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-22). Por essa razão, o caminho provoca confronto, com aqueles que se acham donos da verdade e da história, contada pelos ricos e poderosos, que exploram e oprimem o povo, reduzindo-o à miséria, exploração e a marginalização.

No caminho de Jesus, a história é contada e construída pelos pobres. Nesta “viagem” De Jesus à Jerusalém, Ele vai indicando o caminho para aqueles e aquelas que querem unir-se a Ele. Trilhar este mesmo caminho com Ele provoca os conflitos com aqueles que não querem mudar o rumo da história. Até os samaritanos, elogiados por Jesus em outro momento, não entendem que Ele vai a Jerusalém para salvá-los. Também os discípulos, que queriam tocar fogo na Samaria, imaginavam que este será um dos primeiros lugares que eles evangelizarão ao saírem de Jerusalém (At 1,8). Feliz foi o padre Zezinho, que soube sintetizar bem o caminho de Jesus em uma de suas canções: “É por causa do meu povo machucado, que acredito em religião libertadora. É por causa de Jesus ressuscitado, que acredito em religião libertadora”. Sigamos nas trilhas do caminho de Jesus!

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.