O Reino como banquete

Terça feira da Trigésima Primeira Semana do Tempo Comum. O mês da “Consciência Negra” vai se consolidando, com a primavera se fazendo estação, fechando a primeira semana. Dentro de nós brotam as flores de um novo esperançar, onde temos a chance de sermos melhores do que temos sido. Cada dia que vamos vivendo, tem que ser visto sobre esta perspectiva: o ontem se foi e o agora é aqui, no hoje de nossa história. Fazendo e acontecendo, mostrando à que viemos. Deus espera de nós mais do que um alguém qualquer, que fica esperando sentado na janela do tempo, para ver se vai acontecer. Arregace as mangas e seja você mesmo, com o DNA que Deus registrou em sua essência. Todo ser humano deseja ser feliz, e o desejo desta felicidade é o dinamismo mais profundo que toda pessoa traz inscrita no mais íntimo de seu ser.

Já recuperado totalmente da virose que passou devastando o meu interior, pulei da cama muito cedo, fazendo companhia aos meus diletos visitantes diários, já sentindo a minha falta: quatis degustando das enormes jacas, papagaios “chupando” manga, araras azuis sorvendo o sabor irrecusável dos açaís, pipiras furando agilmente as doces jabuticabas. Rezei me fazendo parte interligada a este pequeno paraíso, enaltecendo a beleza que a natureza é, com a sua enorme diversidade e riqueza, ainda que o homem se ache como o maior de todos os seres que a compõe. “Deus contemplou toda sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). “O criador nos chama a um novo estilo de vida, que seja aberto ao bem, à verdade e à beleza!” (Laudato Si, 205)

Refleti na perspectiva do Reino de Deus comparado pedagogicamente por Jesus como um grande banquete, em que todos e todas estamos convidados a fazer parte. A grande temática do dia de hoje é a necessidade de saciar a fome. Todas elas: de pão, de justiça, de trabalho, de teto, de igualdade na fraternidade. Igualdade, preservando o princípio da equidade, que é aquela que concede as condições iguais para todas as pessoas. Igualdade com equidade. Quem se deixa construir-se pela equidade tem como principio fundante o senso de justiça que vai além do oferecer as mesmas ferramentas para todos, pois dá condições equiparadas para que realmente todos possam obter resultados similares.

O banquete do Reino está posto! Corroborando com a proposta de Jesus, impossível não pensar numa das frases ditas pelo nosso filósofo Argentino, Enrique Dussel, que a estas horas está dialogando com o nosso bispo Pedro, numa das esquinas do Céu, explicando quiçá esta sua frase impactante: “A fome do oprimido é fruto do sistema injusto, e saciar estruturalmente a fome é mudar radicalmente o sistema. Saciar a fome do oprimido é a maior ação subversiva contra o sistema”. E de subversão, Pedro entendia muito bem, com a sua vivência de teimosia na resistência, esperançando frente às utopias do Reino. Teologia e filosofia irmanando em autêntica simbiose. A Teologia da Libertação de mãos dadas com a Filosofia da Libertação.

Ainda no clima de um jantar à mesa com um ilustre fariseu, Jesus prossegue teimosamente com os seus ensinamentos, contradizendo a versão deles acerca da religião. Uma cena hilária. Imagina alguém que se diz “enviado por Deus”, sentar-se à mesa com as pessoas que nada valiam para a sociedade daquela época, e hoje também: coxos, cegos, aleijados, pecadores, pagãos, doentes impuros, fariseus. Jesus faz questão de estar não somente no meio desta gente, mas de se fazer um com e para eles: “Eu não fui enviado, senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”. (Mt 15,24). A possibilidade de salvação trazida por Jesus não é privilégio de um povo determinado, mas é para todos e todas, aqueles e aquelas, que acreditam n’Ele e na sua missão, mesmo que sejam considerados descartados, excluídos e marginalizados.

O Reino de Deus é apresentado como banquete em que Deus reúne todos os seus convidados. Ainda que os representantes oficiais e os habituados à religião recusem o convite, dando mais importância aos seus próprios afazeres, o Reino permanece aberto para aqueles e aquelas que comumente são julgados como excluídos: os marginalizados da sociedade e da religião. Muitos deram desculpas para não se fazerem presentes neste banquete, dando mais importância aos seus afazeres corriqueiros. Todos somos, convidados e convidadas, para fazer parte deste banquete, e também temos as nossas desculpas esfarrapadas. Porventura, já pensou nas desculpas que você deu para não fazer parte do banquete do Reino? A quem você acha que convence com estas tais desculpas? Aos que se recusam fazer parte do banquete, Jesus foi categórico: “nenhum daqueles que foram convidados provará do meu banquete”. (Lc 14,24) Que não seja o seu caso!

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.