Vidas humanas importam! Vidas negras importam! E como importam! Como não se importar com uma população de 56,10%. Esse é o percentual de pessoas que se declaram negras no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE. Segundo os mesmos dados, dos 209,2 milhões de habitantes do país, 19,2 milhões se assumem como pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram pardos. Os negros – que o IBGE conceitua como a soma de pretos e pardos – são, portanto, a maioria da população. Todavia, esta superioridade numérica não se reflete na sociedade brasileira na sua forma organizacional.
No momento que ora escrevo este texto, acontece nos EUA a cerimônia funerária de George Floyd, que morreu no dia 25 de maio, após ser detido pela polícia em Minneapolis, O mundo todo viu as condições de sua morte, através de imagens que foram filmadas: um policial branco, Derek Chauvin, passou 8 minutos e 46 segundos pressionando seu pescoço com o joelho, enquanto ele dizia que não conseguia respirar. Desde a sua morte, o pais mergulhou num mar de manifestações anti-racismo, mesmo em clima de pandemia. Vidas negras importam e não consigo respirar, virou o grito de guerra de centenas de milhares de manifestantes, negros e brancos.
O mundo ficou consternado e indignado com a morte deste ex-segurança, morto em situação tão degradante. Até o papa Francisco se manifestou sobre a tensão racial nos Estados Unidos, afirmando que considerava “intolerável” qualquer forma de racismo, chamando o ato de PECADO DO RACISMO. Não podemos fechar os olhos para uma realidade tão presente lá e cá.
Pecado do racismo, disse bem o papa. De fato, um pecado cruel que acontece aqui no Brasil com relação a população preta e pobre da periferia. Devemos ficar indignados mesmo com a morte brutal, sofrida pelo norte-americano, mas também precisamos voltar os nossos olhos para a realidade brasileira, e ver que acontece aqui coisas muito piores. São vários inocentes que perderam suas vidas de forma também brutal: Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê, Ágatha e Kethellen, Miguel, são algumas destas vítimas, MARCADAS PARA MORRER. Vidas ceifadas, sonhos interrompidos de quem tinha uma vida inteira pela frente. E tudo parece tão NORMAL entre nós, porque o RACISMO é ESTRUTURAL na organização da nossa sociedade. NATURALIZAMOS tais mortes como coisas normais. ACONTECEM!
Somos um país que foi gestado a partir do pensamento de uma elite agrária rural advinda da CASA GRANDE. Segundo o sociólogo Jessé Souza “Reproduzimos sob máscaras modernas os mesmos ódio e desprezo às classes populares que antes eram devotados ao escravo”. A sociedade brasileira é fruto desta herança, desta tradição, que carrega em sua GENÉTICA um RACISMO ENTRANHADO em suas VEIAS ESTRUTURAIS. O que ocorre com os pretos no país, tem este código de barra com todas as letras e números, do que foi a relação desta aristocracia com o preto escravizado em terras tupiniquins. No dicionário deles na existe a palavra racismo, pois vivemos o mito da DEMOCRACIA RACIAL. Ou seja, vivemos em estado de PLENA IGUALDADE entre as pessoas independentemente de RAÇA, COR ou ETNIA. Esta é a concepção que vigora no IMAGINÁRIO destas pessoas, quando confrontadas com o racismo que se dá nas relações cotidianas das pessoas pretas.
Vidas, qualquer vida mais que importa! Vidas negras importam mais ainda! Não podemos continuar com este pecado do racismo, matando as pessoas só por causa da tonalidade da cor de suas peles. Já que estamos lutando para garantir que a democracia sobreviva, lutemos também por uma sociedade mais IGUALITÁRIA, que respeite e valorize todas as pessoas de forma igual, negros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pardos, brancos. Ninguém pode morrer da forma em que estamos matando os nossos irmãos. Uma sociedade em que todos possamos sonhar os nossos sonhos de um amanhã melhor, como na canção Coração Civil de Milton Nascimento: Quero a utopia, quero tudo e mais. Quero a felicidade dos olhos de um pai. Quero a alegria muita gente feliz. Quero que a justiça reine em meu país. Quero a liberdade, quero o vinho e o pão. Quero ser amizade, quero amor, prazer. Quero nossa cidade sempre ensolarada. Os meninos e o povo no poder, eu quero ver.” E como quero!