Sexta feira da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum. Novembro sextou pela última vez, apontando no horizonte com mais um final de semana. A chuva chegou de vez por aqui, molhando a primavera e afugentando temporariamente o forte calor. A esperança florescendo no encontro com os nossos sonhos. Como flores que se abrem para perfumar o ar, alegrar os olhares, espalhando as sementes da esperança, sejamos a continuidade delas nos frutos que podemos dar de nós. Enquanto fico na espera de ser atendido na fila do SUS, vou aqui dedilhando no celular os rabiscos diários, entremeando a escrita com a conversa das pessoas.
Sonhar, mais um sonho possível de um mundo mais humano e fraterno. De igualdade em igualdade, onde o holocausto com o nome de guerra cesse de vez no coração dos seres desumanizados e estabeleça a paz próspera e duradoura. Paz como fruto da justiça, que brota da esperança e irradia em luzes de um novo amanhã. Sonhar a utopia da paz, resistindo teimosamente como “a única forma de nos sentirmos realmente humanos”, como afirmou o físico alemão Albert Einstein (1879-1955)
Nascemos em paz e na perspectiva do bem viver de Deus. Ao nos criar, Ele infundiu em nós o selo da plenitude, para que possamos viver com todas as potencialidades de que somos capazes. “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”, como cantou e nos encantou Gonzaguinha. A plenitude da vida alcançada na plenitude do amor. Viver amando, sonhando acreditando como sonhou o indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) “Se uma única pessoa atingir a plenitude do amor, neutralizará o ódio de milhões”. Esperançar sonhando, fazendo e acontecendo, sob a égide do amor.
Quando a morte prematura vem ao nosso encontro, algo está errado, contrariando assim o sonho de Deus para nós. Um escândalo, realçando assim a monstruosidade da raça humana que se perdeu na desumanidade irracional. Diante de contexto semelhante, Jesus foi explícito: “Quem escandalizar um desses pequeninos que acreditam em mim, melhor seria para ele pendurar uma pedra de moinho no pescoço, e ser jogado no fundo do mar.” (MT 18,6) Na visão de Jesus, devemos viver evitando a todo custo a busca de poder e prestígio.
De escândalo em escândalo a história vai se contaminando. É assim agora e também foi assim no tempo de Jesus. Na sua caminhada decidida rumo a Jerusalém, finalmente, Ele chega ao Templo e tem uma grande decepção, que faz recordar uma das profecias de Isaías: “minha casa será chamada casa de oração para todos os povos”. (Is 56,7)
De Casa de Oração, o Grande Templo de Jerusalém, havia se transformado no centro do poder religioso, político e econômico. Um “covil de ladrões”, como Jesus mesmo o definiu. Centro de exploração e marginalização dos pequenos, pobres, estrangeiros, doentes, pagãos, contrariando o seu objetivo primeiro: casa de todos.
Revoltado, Jesus toma a atitude de expulsar todos aqueles vendilhões que usavam do espaço sagrado para comercializar a fé. Tal atitude, provocou a ira dos líderes religiosos, que encontraram, a partir de então, um jeito de matar Jesus. Acusando e atacando o comércio existente dentro do Templo, Jesus faz o confronto com as bases sobre as quais se apoiava toda a sociedade daquela época, uma vez que era com esse comércio que se sustentava grande parte da economia do país. Desta forma, o gesto de Jesus mexe não só com um modo de vida religiosa, mas com toda uma estrutura que usa a religião para estabelecer e assegurar privilégios de uma classe e sustentar uma visão mesquinha de salvação. É como se estivéssemos vendo a cena acontecendo hoje. Contrariando o dito popular, qualquer coincidência, é mera semelhança.
Fico imaginando Jesus passando por alguns dos nossos templos hoje, já que dificilmente imagino que Ele estaria ali presente, convivendo com toda uma estrutura de arrecadação de cifrões dos mais pobres, em forma de dízimo. Seriam muitos os “cambistas modernos”, que vivem sustendo uma estrutura religiosa que não promove a acolhida dos pequenos, que estariam correndo assustados ante o “chicote de Jesus”. Padres e bispos, movidos pela sua vaidade, mais preocupados com as suas vestimentas luxuosas, esquecendo-se por completo de um dos recados de Jesus: “Não leveis duas túnicas.” (Mt 10,10) Nada de exploração e suntuosidade nos templos uma vez que a missão se realiza mediante o anúncio do Reino e pela ação que concretiza os sinais da presença do Reino. Tudo isso num clima de gratuidade, pobreza e confiança, que comunica o bem fundamental da paz, isto é, da plena realização de todas as dimensões da vida humana.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.