Família geradora de uma sociedade nova

Reflexão litúrgica: domingo, 31/12/2023,
Festa da Sagrada Família, Jesus, Maria e José

 

Na Liturgia desta sexta-feira, Festa da Sagrada Família, veremos, a partir da Palavra de Deus, a importância de se viver em família, família não só de laços de sangue, mas, também, família como Comunidade; enfim, família como toda a Humanidade.

Elenco, a seguir, alguns pontos importantes nesta reflexão:

 1º) Viver a Espiritualidade Trinitária

Deus é família: Pai-Filho-Espírito Santo. Desde o princípio Deus não é solidão, mas Comunhão, Relação, Perdão, Amor…

O Ser Humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), não se realiza fora da Comunhão, da Relação, do Perdão e do Amor (Ex: os animais sobrevivem pela natureza, as pessoas pela sociedade, comunidade).

  1. a) Família Base de nossa sociedade

Na família, não pode haver brigas ou discórdias, devemos estar todos unidos em nome da boa convivência. Abertos ao diálogo e ao perdão. “Amai-vos uns aos outros, pois o amor é vínculo da perfeição”. Só assim poderemos alcançar a paz de Cristo que há de reinar em nossos corações.

Exemplo: Numa pesquisa em um Colégio de Londrina, foi feita a seguinte pergunta: “O que lhe deixa mais feliz em sua vida?” A maioria das respostas foram: “Ver minha família unida”.  O que desune uma família?  Falta de Deus, o pecado, não amar. “Quem não ama (não se comunica, não perdoa…) carrega dentro de si um germe homicida” (1Jo 3,15).

O que entendemos por AMOR?

O que torna uma família (comunidade) perfeita não é a ausência de falhas e limites em seus membros, mas sim a capacidade de amar sem medidas, apesar dos limites e falhas de cada pessoa. “O amor cobre uma multidão de pecados. O amor gera a paz e torna as pessoas membros do mesmo corpo” (1Pd 4, 8.15a).

Nossos atos contagiam o ambiente, influenciam para o bem ou para o mal. Fazemos o bem quando conhecemos a Deus. Conhecer a Deus é amar. “O amor é paciente, prestativo, nada faz de inconveniente, não se irrita, não guarda rancor. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,4-7).

  1. b) A ausência de Deus é o caos. Mas, Deus nos interroga:

“Adão, Adão, onde estás?” (Medo, brigas, acusações);

“Abraão, Abraão, sai da tua terra” (fechamento, trabalho, dinheiro);

“Samuel, Samuel?” (Templo só para cumprir tabela, tradição);

“Saulo, Saulo, … por que tu me persegues?”

Se somos bons, nossas famílias e comunidades serão ótimas. Ser bom já é o bastante para transformar a humanidade. A sociedade é o prolongamento da família.

2º) Viver a Espiritualidade da Família de Nazaré

O texto de Lucas chama a atenção para a responsabilidade dos pais (Lc 2,22-52): “os pais de Jesus iam todos os anos à Jerusalém” (compromisso), ou “José tomou o menino e a mãe”. Não se vê um cônjuge somente, uma mulher abandonada como se fosse mãe solteira ou viúva de marido vivo, não impera o machismo, o individualismo, o comodismo ou outros males.

Os pais perdem Jesus sem que o notassem (TV, internet, comodismo…), começam (angustiados) a procurá-lo (onde?), voltam à Jerusalém (comunidade, compromisso, espiritualidade).

A família de Nazaré em busca de Jesus retrata a família cristã em busca de si mesma. Ela encontrará sua identidade só quando encontrar o Cristo, mestre do amor gratuito, a lhe ensinar que é preciso dar a vida, a fim de que o amor possa viver para sempre.

“Os pais não educam seus filhos para si, mas para Deus, e a casa de Deus é maior que a casa da gente”.

Educar: transmitir conhecimentos, instruir (na área intelectual, moral, social e espiritual). Para ser um bom educador, antes, é preciso ser um discípulo do “Mestre”. “E Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens”.

 a) Filhos e Famílias que se perdem

“Por que me procuravam?  Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?”  Desde pequeno, Jesus tinha a consciência de sua missão, de seu compromisso com o Pai. Os evangelhos da infância de Jesus são sinais do que ele vai realizar como adulto, sintetizam toda sua atividade futura. Os filhos não pertencem aos pais, mas a Deus, que é a origem e o fim de toda a vida. É por isso que se batizam os filhos desde pequenos. Jesus, embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente (Hb 5,8), teve de aprender a discernir a vontade de Deus e realizar sua missão.

Ex: Um jovem envolvido na pastoral diz: “Já não sei onde está minha casa”!  Preocupação do Pai: “Meu filho nunca está em casa”!  O filho apenas está manifestando que a casa de Deus é maior que a casa da gente.

Questionamento: Hoje a grande maioria dos filhos não ‘se perde’ no templo da comunidade, na ‘casa do Pai’, e, sim, nos templos do consumo, nos shoppings centers, danceterias, drogas, sexo irresponsável, bebidas, vícios em geral. O caminho que aprendem naqueles palácios da satisfação ilimitada e imediata não está no Evangelho, ou, talvez, sim: na parábola do filho Pródigo…

Muitos são os pais e mães que vivem a dor de terem ‘filhos perdidos’.  Eles não se perdem sozinhos, são levados a se perderem. Se perdem por influência dos meios de comunicação que pregam e difundem valores e crenças que são contra a vida e a própria família. Muitas famílias estão tão desestruturadas que perderam a força do diálogo, pois, em casa, quem mais fala é a TV e a internet, eles têm lugar de destaque. Hoje os MCS (Meios de Comunicação Sociais), a TV e a internet ‘ensinam’ mais que os pais e ‘educam’ mais que a escola.

Os MCS, a TV e a internet devem estar a serviço da pessoa e da sociedade. O importante é selecionar a programação, os pais e os filhos devem ser ‘filtros críticos’ para o conteúdo dos MCS e televisivos que invadem diariamente nossas casas, nossos lares.

  1. b) Pedagogia da Família de Nazaré

Jesus, Maria e José também tinham dificuldades, não viviam em eterna harmonia. O que temos que copiar é o estilo de vida, a forma como se relacionavam. Quando Maria encontra Jesus, que acabara de fazer uma ‘travessura’, ela não o interpela com gritos ou desespero: “O que você tá fazendo aí moleque? Já para casa! …”. Maria tem o dom do diálogo e o trata com muito amor e carinho: “Meu filho, por que agiste assim conosco, olha que eu e teu pai estávamos angustiados, à tua procura”.

A família moderna precisa ser reencontrada. E a solução é simples: está no amor e no diálogo.

“Os pais devem ser para seus filhos os primeiros educadores da fé, mediante a Palavra e o exemplo” (LG, 11).

Eis as palavras do Papa Paulo VI recordadas por São João Paulo II:

“Vocês ensinam às suas crianças as orações do cristão? Preparam os seus filhos, de comum acordo com os sacerdotes, para os sacramentos da primeira idade: Confissão, Comunhão, Confirmação? Acostumam-nos, se estão doentes, a pensar em Cristo que sofre, a invocar a ajuda de Nossa Senhora e dos santos? Recitam o terço em família? Sabem rezar com os seus filhos, com toda a comunidade doméstica, ao menos de vez em quando? O exemplo que derem com a sua retidão de pensamento e de ação, apoiado em alguma oração em comum, valerá por uma lição de vida, valerá por um ato de culto de mérito singular; vocês levam desse modo a paz ao interior dos muros domésticos. Lembrem-se de que assim edificam a Igreja” (FC, 60).

Cada lar cristão tem, na Sagrada Família, o seu exemplo mais cabal; nela, a família cristã pode descobrir o que deve fazer e como deve comportar-se para a santificação e a plenitude humana de cada um dos seus membros. “Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho. Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e a penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa muito simples, muito humilde e muito bela manifestação do Filho de Deus entre os homens. Aqui se aprende até, talvez insensivelmente, a imitar essa vida” (Paulo VI, Alocução em Nazaré – 05/01/64).

A família é a forma básica e mais simples da sociedade. É a principal “escola de todas as virtudes sociais”. É a sementeira da vida social, pois é na família que se pratica a obediência, a preocupação pelos outros, o sentido de responsabilidade, a compreensão e a ajuda mútua, a coordenação amorosa entre os diversos modos de ser (GS,52). Com efeito, está comprovado que a saúde de uma sociedade se mede pela saúde das famílias. Esta é a razão pela qual os ataques diretos à família (como é o caso da introdução do divórcio, do aborto e outros males na legislação) são ataques diretos à própria sociedade, cujos resultados não tardam a manifestar-se.

 3º) Viver a Espiritualidade em Família – Experimentar Deus em família (Ecl 3,2-17)

O texto do livro do Eclesiástico tinha por objetivo mostrar aos Judeus que moravam fora do país (diáspora = dispersos) a riqueza da tradição do seu povo. Ajuda a recuperar as raízes e a identidade de um povo ameaçado de perder o sentido da vida, pois assimilavam a cultura e a ideologia contrárias ao ensinamento dos seus antepassados.

Honrar Pai e Mãe traz consequências: vida longa, as preces são atendidas e os pecados são perdoados. Como não podiam ir ao templo fazer sacrifícios, poderiam fazer da família um templo doméstico (viver a misericórdia): “O que eu quero é a misericórdia, e não o sacrifício” (Mt 2,13).

Outras regras (Cl 3,12-21): “Revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência, amando-vos e perdoando-vos mutuamente. E sede agradecidos. Especifica o papel da esposa, marido e dos filhos…”.

  1. a) Família: todos cuidam de todos

Todos nós precisamos ser e receber, em algum lugar, ‘aconchego, ternura e calor’.

Cuidar de idosos, de crianças ou de portadores de qualquer tipo de deficiência é afirmar o valor da nossa própria humanidade. Quando descartamos pessoas, estamos ensinando ao mundo que nós também somos descartáveis, assim que deixarmos de preencher certas condições que atendam à conveniência dos que nos cercam.

  1. b) A missão da família = missão de Jesus: Cuidar de todos os filhos e filhas de Deus.

As famílias são chamadas a um relacionamento solidário e fraterno com outras famílias, para o bem da comunidade. Cada família ame e sirva a outras famílias para que todas tenham o direito de viver melhor. Família fechada em si mesma perde muitas oportunidades não só de fazer o bem, mas de crescer no próprio amor que faz questão de cultivar.

Cuidar das coisas do Pai, para Jesus, sempre foi cuidar dos filhos e filhas de Deus mais necessitados, cuidar do Reino em que os valores que defendem a vida são cultivados. Jesus não fugiu do mundo para se dedicar ao Pai: ele serviu ao Pai e aos irmãos nas realidades mais concretas da vida diária.

c) Oração

Ensinai-nos, Sagrada Família, a servir a todos com bondade; a perdoar sempre; a viver com simplicidade; a buscar a união e a paz. Seja nosso lar um espelho da Casa de Nazaré, uma ‘Igreja doméstica’, um ambiente de amor.

A Palavra de Deus oriente diariamente nossos passos. Nossa família seja evangelizadora e missionária, para a glória da Santíssima Trindade. Amém.

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.

 


Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.