O silêncio da covardia

Estamos vivendo não somente uma pandemia devastadora, que continua fazendo estragos entre nós, mas também um dos piores momentos da História Republicana. O Brasil está caminhando a passos largos, rumo a uma das suas piores crises sócio-político-econômica, de consequências catastróficas. À frente de um país de dimensões continentais, temos um chefe de estado mais desqualificado, a assumir os destinos deste país. Não bastasse um vírus que segue ceifando vidas, ainda temos que conviver com tamanho despreparo de alguém, tão torpe e indigno, a sentar na cadeira presidencial. Um ser beligerante, que trás nos olhos o sangue do ódio mortal a quem pensa diferente de si.

Tamanho despreparo faz estragos num país que tem tudo para dar certo, mas que segue ladeira abaixo, contabilizando seus inúmeros mortos. Mortos que não queríamos contar como dados estatísticos aleatoriamente, mas de sonhos interrompidos, vidas tiradas, projetos paralisados. Enquanto isso, não se percebe qualquer tipo de sentimento de condescendência por parte do “chefe de estado”, que segue a sua cantilena medíocre, de preocupar-se com a sua vaidade pessoal e familiar e com dividendos políticos. Sequestraram o Brasil dos nossos sonhos e seguem dilapidando seu patrimônio maior, ao bel prazer de interesses escusos.

Como calar diante de tal situação? Como não se indignar, diante de uma destruição de tudo aquilo que tínhamos como maior valor? Nestas horas, lembramos da frase atribuída a Martin Luther King que dizia: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Não podemos nos manter com o nosso o silêncio cúmplice dos decentes, diante de alguns dos maiores crimes sendo perpetrados por aqueles que apossaram do país e, na clara luz do dia, querem nos fazer de idiotas.

Quem cala consente, já dizia a máxima popular. Se calarmos diante de tudo o que está sendo feito, a história não nos poupará da nossa negligência. Seremos cobrados também pelas gerações futuras, pois nos acusarão de termos cruzado os nossos braços, e calado a nossa voz, enquanto o país estava sendo dilacerado pelas forças do mal, orquestrados por um fascismo impiedoso para com os pobres. A história costuma ser cruel com os indiferentes. “Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.” Já nos alertava Antonio Gramsci.

Jesus também foi categórico na orientação aos seus discípulos, pois quem o segue deve fazer uso da sua voz, para anunciar primeiramente, mas também denunciar aquilo que não está de acordo com o projeto de Deus, e fere a dignidade dos pobres. “Se meus discípulos (profetas) se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19,40) Calar-se é acovardar. É deixar que as forças do mal prevaleçam sobre os inocentes. O mesmo, diria anos mais tarde o teólogo e pastor luterano Dietrich Bonhoeffer: “O silêncio diante do mal é em si mesmo um mal. Deus não nos terá por inocentes. Não falar é falar. Não agir é agir”. O silêncio cúmplice de quem nada disse frente à injustiça.

Não somos profetas e nem filhos de profetas, mas nos definimos como seguidores de Jesus. ELE jamais teria uma postura de indiferença diante das coisas erradas que via à sua frente. Foi assim na Palestina, confrontando os poderosos fariseus, doutores da lei e cobradores de impostos. Também nós, somos chamados a dizer aos que triunfam sobre o mal que não está certo, e que os pobres precisam viver com dignidade. Numa realidade de aviltamento de todos os valores, direitos e vida cidadã.

Quando os bons se calam, os maus triunfam. Quando vemos todos os tipos de maldades sendo feitas, principalmente sobre a população mais pobre, e nos calamos, somos coniventes, e assinamos embaixo daquilo que está sendo feito. Nesta mesma direção vai um dos textos mais conhecidos e citado com freqüência, atribuído a Maiakovski ou a Brecht : “Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.” A verdade é filha do tempo, já dizia meu amigo Zeca, e corre veloz entre nós para retomarmos o nosso país de volta das mãos destes salteadores.