O grande teólogo chileno, Ronaldo Munhoz, escreveu em 1986, um livro pela Editora Vozes, Petrópolis intitulado: O Deus dos Cristãos. Este livro me marcou profundamente, pois o autor, dentre outros aspectos, conseguiu trazer, para junto de um estudante segundoanista do curso de Teologia, uma visão de um Deus, que tem me acompanhado desde então. Nesta sua obra, Munhoz trabalha a ideia de um Deus extremamente HUMANO e muito próximo da realidade, vivida pelos seus, aqui na terra. Um Deus que, antes de ser aquele ser TODO PODEROSO, é um Deus com uma face TRANSBORDANTE DE MISERICÓRDIA, a quem Jesus fez questão de mostrar. Aconselho a leitura, para quem ainda não conhece o rosto humano de Deus.
Muitos estão se perguntando, onde está Deus afinal, em meio a esta grande pandemia? Não está ELE vendo tudo o que está acontecendo? Será que virou de vez as costas para o seu povo? Que Deus é este que, na hora que mais precisa d’Ele, se faz de ausente? Será que todas estas mortes acontecidas não importam para Deus? São perguntas muito pertinentes, e que precisamos ter muita calma, para tentar entender o que está se passando, e como Deus se coloca diante deste cenário todo.
A primeira ideia que precisa ficar clara para nós é a de que Deus nunca abandona os seus. Um Deus que se faz presente o tempo todo no meio de nós. E Ele faz isso não por merecimento nosso, mas pela sua fidelidade em nos amar infinitamente, acima de qualquer das nossas possibilidades. Vejo esta presença concreta de Deus no meio de nós. Vejo a face deste Deus misericordioso na vida daquela enfermeira, que há 128 dias, não vê os pais com quem mora, porque não pode voltar a conviver com os mesmos. Ela passou a morar num hotel, durante todo este tempo, para não correr o risco de contaminar os seus com o vírus. Chora todos os dias quando fala com os pais.
Eu vejo a face deste Deus ternura, sendo maltratado e crucificado nos corpos das pessoas em situação de rua, sofrendo com a pandemia, passando noites de intenso frio, rejeitados e evitados por muitos que se dizem cristãos, mas que viram o olhar ou tecem comentários maldosos, em relação a esta “gente ralé.” Por outro lado, não consigo ver este mesmo Deus de Jesus, nos crucifixos dependurados nas paredes dos hotéis, que se recusaram a abrir as suas portas, para acolher estes sofredores da rua. Mas se dizem cristãos como muitos outros que vemos por aí.
Consigo ver a face do Deus misericórdia, revelado por Jesus, sendo crucificado mais uma vez nos corpos de idosos que não encontram leitos nos hospitais, espaços para se tratarem desta doença maldita. Acompanhei o relato de uma amiga, uma grande mulher, vendo seu pai em casa, morrendo a cada dia, sendo maltratado pelos sintomas da doença e ela sem poder fazer muita coisa para tentar salvar a sua vida. O pai veio a falecer e ela, por opção própria, ficou também marcada pelo vírus, pois não quis abandonar o pai no momento em que ele mais precisava dela. Vida que se doa pela Vida! Como não ver o rosto maternal de Deus presente nesta mulher forte?
Para responder as perguntas acima, precisamos primeiro mudar a nossa ideia que temos de Deus. Uma ideia que não corresponde realmente quem é Deus. Entretanto, para relacionar-nos, de fato, humanamente com o Deus que Jesus nos revelou, o mais urgente que devemos fazer é quebrar estas “falsas imagens” DELE, que carregamos dentro de nós, nas nossas convicções. E estas convicções determinam enormemente o nosso jeito de relacionar com Deus, pois o vemos como aquele ser pronto a pedir contas de nossos atos. Um Deus justiceiro e carrasco que nos castiga com desgraças, por causa de nossos fracassos cotidianos. Esta é a ideia que muitos de nós têm de Deus, como aquele que está castigando a humanidade com a pandemia.
O Deus com quem eu aprendi a conviver é um Deus que não mora nos palácios luxuosos. Não convive com aqueles que arquitetam o mal, e nem tramam a sorte do justo. Não se faz presente em algumas missas “fervorosas” e vazias de sentido do memorial da morte e Ressurreição do Filho de Deus. Não faz questão de estar presente nos cânticos de louvores festivos, mas de palavras ocas e de poucos gestos concretos de vivência da fé, ao lado dos sofredores da história. Um Deus que acompanha de perto o sofrimento humano, sobretudo daqueles que são os esquecidos e não são lembrados nos projetos dos economicidas, que só querem atender aos interesses do deus capital (Mamon). Estar com o Deus de Jesus é estar pronto a correr risco permanentemente e ser um FRACASSADO, para os que se acham os grandes deste mundo, afinal, “Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante.” (1 Cor 1, 27-28)