Incredulidade

Estamos vivendo os dias mais tenebrosos. Talvez este seja um dos piores momentos da nossa história republicana. Nunca estivemos tão desprotegidos como agora. Não bastasse um vírus que não conseguimos enxergar, ainda somos obrigados a conviver com uma desorganização governamental, sem precedentes na história deste país. Pessoas irresponsavelmente perdidas e sem orientação, que nos passe o mínimo de confiança/segurança. Cegos guiando cegos. E, dia após dia, vemos pessoas, famílias inteiras, arrasadas pelas inúmeras perdas. No meio indígena, já se fala em genocídio semelhante ao que ocorreu no início da colonização, com os povos originários sem saber no que se agarrar. Mortes e mais mortes.

A temática que hoje quero desenvolver com vocês é a atitude de um dos discípulos de Jesus, frente à esperança renovada, com a Ressurreição do Filho de Deus. Tomé, um daqueles do grupo de Jesus, seguidor da proposta que lhe fora feita pelo Mestre, titubeia e não acredita, mesmo vendo seus companheiros, extasiados diante desta realidade de saber que ELE vive. Mesmo tendo acompanhado Jesus por tanto tempo, conviveu lado a lado, partilhou dos mesmos ideais do Mestre, não conseguia acreditar na vitória da vida sobre a morte. Pelo contrário, negou-se a acreditar no que ouvia do testemunho dado pelos seus colegas de caminhada. Um homem que só acreditaria vendo com seus próprios olhos e apalpando com as mãos.

Ver com os próprios olhos. Esta uma atitude racional. Esta foi a atitude primeira daquele homem, mesmo acompanhando tudo o que estava acontecendo ali à sua volta. Aquilo que não conseguia ver, naquele contexto, já não é objeto de fé, mas de conhecimento direto. Precisou tocar com as suas próprias mãos, para que pudesse acreditar, que de fato, aquilo que Jesus “desenhou” para eles, estava acontecendo naquele momento. Ao ver a humanidade (Físico) de Jesus, fez profissão de fé na sua divindade exclamando: Meu Senhor e meu Deus!

Comumente, nós utilizamos de um ditado popular muito conhecido e apropriado para expressar esta situação vivida por Tomé. “O pior cego é aquele que não quer ver”, pois ao agir desta forma, a pessoa, de alguma maneira, se torna conivente com os malefícios que afligem a sociedade e acaba protegendo aqueles que oprimem, humilham, escravizam e desrespeitam os empobrecidos. Ao se negar a querer enxergar o que está mais do que exposto, não consegue, por conseguinte dar o passo seguinte que é o trazer para o plano do coração, aquilo que a visão lhe permite desvendar, uma vez que, “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. Se tal perspectiva não acontecer, a pessoa acaba vivendo de forma conveniente e sempre impondo a si a decisão de ficar cego diante dos desafios que a vida lhe impõe.

A nossa responsabilidade se torna muito grande, frente aos desafios que a vida vai nos preparando. A conveniência de não querer enxergar, para não se comprometer, é algo que mostra a atitude covarde, daqueles que passam pela vida, como meros espectadores, sem deixar registrado, nos anais da história, o diferente que poderiam fazer acontecer. São meros números de apenas mais um. Diferentemente desta postura, está a vida daquela pessoa, que faz questão de ter feito a sua parte, enxergando a realidade e se comprometendo com uma possível transformação desta. Nestas horas, vale a pena lembrar, do refrão da canção composta por Jorge Pereira Lima, que diz assim: “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor.”

Tomé acaba se tornando o símbolo, daquele que precisa ver com os seus olhos e tocar com as suas próprias mãos, para poder acreditar. Em vão será a fala daqueles que viram e acreditaram ser verdade. Baseado nele é que nos referimos ao chamado teste São Tomé. Entretanto, muitos há entre nós que, mesmo vendo com seus próprios olhos, continuam com as suas posturas de não querer enxergar. Está vendo tudo o que está acontecendo, tocam com as suas mãos, sentem na própria pele os desmandos, mas insistem em não querer admitir, que a coisa está acontecendo, e é muito séria. Para estes, talvez devamos fazer o que sugere um dos meus amigos: “estas pessoas não vão acordar mesmo que você pegue o dedo delas e enfie numa tomada de 220 volts.” Por mais que mostremos a realidade, prove e argumente, não faz a menor diferença para estas pessoas. Elas só enxergam aquilo que querem enxergar. Para estes, faço a inversão de outro dito popular, “qualquer semelhança com alguns por aí afora, é mera coincidência.” Ainda bem que Jesus conclui: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20, 29)