Minha geração

Sou da geração que inventou, sonhou e viveu profundamente cada momento, cada instante de um processo de lutas. Lutamos muito! Conquistamos! Ouvimos de Beethoven aos Beatles, passando, é claro, pela Bossa Nova de João Gilberto e a Tropicália de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Os Mutantes e Tom Zé. Éramos felizes e sabíamos o quanto éramos, pois o sangue vermelho das revoluções e da luta cotidiana corria sobre as nossas veias. Aprendemos a ler e interpretar o mundo sob ótica de Paulo Freire e da liberdade, típica do movimento Hippie. Sinto-me um privilegiado por nascer neste momento histórico.

Somos a geração que passará para a história como uma daquelas que mais produziu, seja no campo artístico cultural, seja na conquista de direitos, que asseguraram uma vida de bem estar social. Fomos responsáveis por redigir uma das maiores constituições da História de República Brasileira. A Constituição cidadã, que garantiu algumas conquistas, que os trabalhadores estão vendo ser jogadas no lixo da história. O século XXI veio com os desmontes.

Minha geração é a geração da leitura. Muita leitura. Tivemos a oportunidade de ler vários clássicos da literatura. Retomei a leitura de um destes clássicos, no intuito de entender um pouco mais, o que ocorre conosco, nesta debandada de direitos solidamente adquiridos e que, da noite para o dia, deixaram de fazer parte da vida de muitos de nós. Estou relendo Eduardo Galeano com as suas “As Veias Abertas da América Latina.” Neste belo texto, Galeano nos faz ver, sem subterfúgios, o histórico amargo de submissão, miséria e espoliação criminosa que a América viveu, desde que fétidos europeus, aportaram por aqui, no final do século XV. De leitura obrigatória para aqueles que desejarem conhecer, sob a ótica libertária, o processo de esbulho dos povos que habitavam milenarmente nestas terras.

Quantos conhecimentos não dominamos? Quanto deixamos de conhecer sobre a nossa própria história, nos vários anos de bancos escolares? Quantas verdades nos foram negadas o acesso delas, uma vez que a história, escrita pela ótica do colonizador, não nos faz conhecer os seus meandros de forma crítica? Passamos vários anos de nossas vidas, reproduzindo conceitos equivocados dos nossos povos ancestrais. Em virtude desta escola que não se preocupa em nos trazer uma visão de mundo sob a ótica dos povos “dominados”, deixamos de conhecer a nossa própria história e o porquê de sermos quem somos. Uma herança colonial perversa e atroz, entranhada em nossas veias abertas, que nos impede de enxergar os povos que aqui já existiam, com conhecimentos milenares, infinitamente superiores aos nossos.

Senti-me na obrigação de escrever estas malfadas linhas, em virtude do que ora ocorre conosco no cenário nacional, quando uma casta de políticos oportunistas, tomaram de nossas mãos os destinos deste nosso país, e seguem dilapidando o nosso maior patrimônio. Um país de riquezas imensas, mas que acaba indo parar nas mesmas poucas mãos e estômagos. Ledo engano de quem pensa que foi uma pandemia que nos levou ao grande fracasso econômico, como está sendo alardeado aos quatro ventos. Esta pandemia apenas veio realçar a contradição/desigualdade social latente e escancarada, vivenciada pela classe que produz toda a riqueza deste grande país, mas que é alijada de colher os frutos de seu labor.

Quanta responsabilidade recai sobre os historiadores sérios, que escreverão para as gerações futuras, este massacre que estamos vendo acontecer. Um país que em menos de seis meses, viu acontecer mais de 60 mil mortes de pessoas empobrecidas das periferias das nossas cidades, nas favelas. Apesar de ser da geração que muito lutou, sinto uma responsabilidade muito grande recair sobre mim, quando vejo um jovem, de apenas 15 anos de idade, ser brutalmente assassinado, na calada da noite, e não fazer nada para que isso não ocorresse. Da mesma forma que sinto uma amargura tamanha, ao ver os povos indígenas, serem mortos em série, por uma doença que chegou até eles, trazida por pessoas de fora do seu convívio. Minha geração lutou e conquistou, mas também está vivendo para ver, com tristeza, a destruição em massa de muitas destas conquistas.

Ao menos, me resta uma certeza: tudo o que fiz valeu a pena! Porque fiz valer a pena. Não lutei sozinho. Muitos estiveram comigo nesta empreitada. Começaria tudo outra vez, se preciso fosse. Se Darcy Ribeiro chegou à conclusão que chegou, quem sou eu para dizer alguma coisa: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”