Geração anos 60

Sou da geração que deu certo. A geração da Paz e do Amor, mas que não corria da luta. Que aprendeu com a vida, mas principalmente, com os ensinamentos de berço. Tínhamos nos nossos pais, os maiores educadores, em que o SIM era SIM e o NÃO era NÃO mesmo! Aprendemos desde pequenos os limites dentro da própria casa. O que o pai ou a mãe falavam, era o que seguíamos, mesmo eles não sendo estudados para além do primário, às vezes. Íamos à escola para sermos escolarizados, já que a educação, recebíamos ali dentro de casa. Isso era praxe nas famílias de minha geração. Não havia reuniões para pais na escola. Os recados dos professores vinham no nosso caderno, para o acerto de contas em casa.

Crescemos ouvindo Beto Guedes, Fernando Venturini, Lô Borges, Toninho Horta, com as melodias encantadoras do Clube de Esquina, que embalavam as nossas noites juvenis. Da mesma forma que acompanhamos de perto os grandes Festivais da Canção, com a participação de cantores e compositores como Chico Buarque, Jair Rodrigues e Geraldo Vandré. Este último nos fazia delirar, quando num dos versos da sua canção dizia: “Há soldados armados. Amados ou não. Quase todos perdidos de armas na mão. Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição, de morrer pela pátria e viver sem razão.”

Se bem que nem tudo foi só de rosas. Vivemos também o outro lado da noite escura da morte com a malfadada DITADURA MILITAR. Ainda criança, acompanhei de perto a perseguição cruel aos “inimigos da pátria”. Um de nossos vizinhos, foi um destes perseguidos pelo regime militar, pelo fato dele ser membro do PCB – Partido Comunista Brasileiro. Vi várias vezes a polícia à sua porta, levando-o para ser “interrogado”. Cada vez que voltava, trazia algumas cicatrizes a mais, mas o seu ânimo e a disposição para a luta, aumentava na mesma proporção da perseguição. Anos mais tarde é que fui compreender mais claramente todo aquele processo e fiquei revoltado.

Os anos se passaram e já na filosofia pela PUC de Campinas, nos idos 1979, já caminhando para o processo de abertura, vi o braço forte da repressão se abater sobre os estudantes. Numa universidade de 22 mil estudantes, conseguimos fazer uma greve em que somente os cursos da Engenharia, Medicina e Odontologia, não aderiram à paralisação. Era a elite da universidade, cerca de 2 mil estudantes, que não aceitaram participar daquela “balburdia”. Fomos para a rua porque, queríamos, entre outras coisas, um ensino de melhor qualidade e aprendizagem, nos cursos ofertados pela universidade.

A nossa geração também se acostumou a participar de grandes shows musicais. Éramos do tempo em que os cantores e cantoras cantavam pra valer, e não estavam tão interessados em mostrar os seus corpos seminus, com as inúmeras plásticas e músculos tatuados. Ver a Pimentinha (Elis Regina) cantar o Bêbado e o Equilibrista, de Aldir Blanc num show, não tinha preço. Mas foi num dos shows programados pela Anistia Internacional, que senti o braço forte da repressão, ainda que de forma simbólica. O show acontecera no Estádio do Morumbi. Na entrada, o aparato policial todo armado, um policial me revistou, revirando a minha bolsa com todos os pertences jogados ao chão. Nem sequer se deu ao trabalho de olhar o que havia caído. Apenas me disse pode recolher agora. Num claro desejo de mostrar sua autoridade.

Lutamos muito contra muitas coisas que nos oprimiam. Fazíamos das nossas vidas uma constante luta. Não nos conformávamos com qualquer resposta que nos davam. Mesmo em anos de chumbo, tivemos que lutar arduamente contra a terrível inflação. O que se comprava pela manhã, não era possível comprar a tarde pelo mesmo valor. Engana-se quem acredita que, com os militares, houve um controle da inflação. Balela!. A corrupção também corria solta. A cada dia novos casos, mas tudo acobertado pela censura. Cansamos de pegar o jornal para ler e ver páginas inteiras em branco, porque fora censurada a matéria que sairia ali naquela página.

Sou da geração que aprendeu a lutar desde cedo. Com a faca entre os dentes, mas com a ternura no coração. Por muito tempo “CONSCIENTIZAÇÃO” era a nossa palavra de ordem. Alfabetizamos a muitos, graças a Paulo Freire, que caminhava a nossa frente. Mais tarde o MST nos mostrou ser mais acertado falar em SENSIBILIZAÇÃO e não conscientização. Também com o movimento aprendemos os três verbos: RESISTIR, INSISTIR, e NÃO DESISTIR. Mas foi com o bispo Pedro aprendi outra palavra que passou a fazer parte do meu vocabulário cotidiano: TEIMOSIA. Assim, o Araguaia acolheu um TEIMOSO UTÓPICO pela causa dos POVOS INDÍGENAS. Sou feliz no Araguaia!

Por fim, fico demasiadamente triste quando vejo jovens tresloucados, irem às ruas pedir a volta da ditadura militar. Não há razoes morais, éticas, políticas para uma apologia insana como esta, do retorno desta gente ao poder. Apesar das divergências com o professor Leandro Karnal, devo reconhecer que ele foi muito feliz nas palavras sobre este assunto, que vale a pena registrar aqui: “Quando eu vejo alguém defendendo a volta dos militares, eu olho para a idade. Se for um jovem, eu me sinto no dever de explicar o que é o ARBÍTRIO, o que é CASSAÇÃO de DIREITOS, como o habeas corpus, o que foi o AI-5, o que é TORTURA de MULHERES GRÁVIDAS, o que é o fim da LIBERDADE de IMPRENSA, o que é a BARBÁRIE da concentração de renda durante a Ditadura Militar. Se for uma pessoa de idade, eu atribuo a falta de memória que a idade pode estar provocando na pessoa. E Viva nós!