O discurso do ódio segue proliferando entre nós. Nunca se odiou tanto como nestes últimos tempos. O ódio criou raízes em determinados setores, e segue fazendo vítimas, difamando, maculando todos aqueles que caem no seu raio de ação. A vítima desta vez está sendo o padre Edson Adélio Tagliaferro, pároco, da Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores, da cidade de Artur Nogueira, no interior de São Paulo. Tudo por causa de suas palavras, ditas numa reflexão homilética, em que o referido padre faz uma contextualização das palavras de Jesus, a partir do triste cotidiano que estamos vivendo. Nem preciso dizer que foi massacrado nas redes sociais, por pessoas de dentro da própria igreja, que se dizem “católicas e seguidoras” dos ensinamentos de Jesus. Não custa nada mostrar para estes o que diz Jesus na narrativa de Mateus: “Esse povo me honra com os lábios, mas o coração deles está longe de mim. Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos.” (Mt 15, 8-9)
Padre Edson, disse apenas aquilo que todos nós gostaríamos de dizer e muitos de nós acovardamos e não tivemos a coragem necessária para tanto. Nestes tempos obscuros, com os pobres sendo mutilados, pela subtração de seus direitos, a igreja da covardia se cala e deixa de exercer o seu profetismo. O reverendo, ao contrário, inspirado pelo texto bíblico e pela sua coerência no seguimento de Jesus, falou o que todos estamos vendo e nos calando. Quem cala consente, já diz o ditado popular. Neste momento me vem a mente uma frase atribuída a Dom Oscar Romero, que foi bispo em El Salvador que diz: “Em um país de injustiças, se a Igreja não é perseguida é porque é conivente.”
Edson está sendo cruelmente perseguido. Perseguido por ter falado a verdade. Por ter dado nome aos bois, como costumamos dizer. E aqueles que o perseguem, se sentiram incomodados com as palavras ditas pelo padre. Não são capazes de discordar de suas ideias e discutir num clima menos beligerante. Ao contrário o atacam ferozmente como cães raivosos, fazendo de tudo para manchar, inclusive o seu ministério. Mas é justamente isto que sabem fazer, aqueles que se alimentam de ódio e o disseminam pelas redes sociais.
Oséias, que foi um profeta do século VIII a.C., cujo ministério está registrado num dos livros do Antigo Testamento, trás para nós na liturgia de hoje um texto que vem de encontro a esta situação. O profeta diz: “Eles constituíram reis sem minha vontade; constituíram príncipes sem meu conhecimento.” (Os 8, 4). Exatamente o que está acontecendo com o “Messias forjado” pelos grupos da direita raivosa dentro da igreja. Instituíram um mito desqualificado, sem nenhuma condição de governar, e que nada consegue construir, mas para estes, é como se fosse um deus na terra. E o dito cujo encarnou este medíocre personagem.
Que igreja é esta que estamos vendo acontecer entre nós? Uma igreja muito distante daquilo que pensou Jesus, ao anunciar o Reino de Deus muito próximo a nós. Uma igreja conformista, constituída de pequenos e pobres, mas cooptada pelos interesses dos grandes, distantes dos anseios de Jesus de querer o Reino aqui e agora. Uma igreja que não conseguiu trazer para si o profetismo, que é um dos pilares do anuncio da Boa Nova de Jesus. Bem fez nosso bispo Pedro, quando sabiamente nos disse: “Fora da salvação não há Igreja. Fora da libertação, assim entendida, não pode haver igreja. A Igreja, ou é libertadora ou não é Igreja de Jesus Cristo libertador.” (Pedro Casaldáliga)
Entretanto, o padre Edson não está sozinho. Somos muitos que ainda sonhamos com esta Igreja das primeiras comunidades cristãs. Uma Igreja que não se cala diante do pobre massacrado pelas forças dos poderosos. Somos daqueles que ainda vamos ver triunfar o Cântico de Maria: “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias. (Lc 1, 52-53) Muitos há entre nós que seguimos nesta mesma toada. Queremos fazer a diferença, encarnando em nós o mesmo espírito de Jesus. Anunciando a palavra e denunciando toda forma de injustiça, sobretudo para os pequenos. Temos vários ícones da Igreja que trilharam este mesmo caminho. Dentre eles, Dom Hélder Câmara, que afirmava sem meio termos: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.”