Crônica da morte anunciada

A humanidade vive a sua grande pandemia. No Brasil, já passamos da casa de 2.231.871 de infectados, com 82.890 vidas que se foram. Mas mesmo assim, seguimos sem ter um ministro da área da saúde à frente do Ministério da Saúde. Na verdade, o MS mais parece um quartel do exército. Pessoas treinadas para combater nos campos de batalha, no lugar de quem deveria ser os cuidadores de vidas. Nenhuma organização ou planejamento minimamente qualificado para o enfrentamento desta grande crise sanitária que estamos passando. Ainda por cima, se dá ao luxo de gastar em torno de R$ 11,4 bilhões, dos R$ 38,9 bilhões, da verba destinada ao combate da pandemia do novo coronavírus, segundo dados do TCU – Tribunal de Contas da União.

Ainda que tenhamos o SUS, que tentaram desmantelá-lo de todas as formas, mesmo assim, sem as estruturas e recursos/insumos necessários e adequados para se fazer o atendimento da população mais pobre e vulnerável do país. Quem está morrendo mesmo, são os mais pobres, favelados, negros, indígenas, quilombolas. Justamente estes que não dispõem de atendimento, que os possa tratar adequadamente desta terrível doença. O vírus não tem passado pelos jardins, pelas mansões e palácios da abastada elite deste país. Vivemos a crônica da morte prevista anunciada.

No meio indígena já falamos em genocídio. Sim, porque, eles têm sido os escolhidos pelo vírus, neste atual momento. A população Xavante segue com um quadro trágico de mortes e infecções. Também os povos Iny, vêem o vírus chegar às suas aldeias de forma avassaladora. Muitos com sintomas da doença e poucos testados, uma vez que não há teste rápido suficiente para se fazer a testagem. Profissionais de saúde na linha de frente, também já estão contaminados e afastados das suas funções. O nosso maior temor veio a se confirmar, com a chegada do vírus às aldeias.

Sentimos impotentes, estando aqui de fora. Não há muito que fazer, a não ser orientar os mais jovens para que não fiquem se expondo nas cidades e assim, levarem o vírus para dentro de suas casas, contaminando os mais velhos. Que situação mais triste. Enquanto isso, os responsáveis mais diretos pela saúde dos povos indígenas, demoram em tomar decisões e traçar um plano estratégico de enfrentamento desta triste realidade. Nós daqui de fora sem ação e os indígenas apavorados dentro de suas aldeias.

Por mais que os profissionais, que estão trabalhando na saúde indígena, tentam fazer a sua parte, mesmo assim é insuficiente para que respostas sejam dadas. Um caos se aproxima para os povos indígenas. Fala-se em mortes, acima da média nacional. Cada dia, várias etnias apresentam o seu quadro de mortes e infectados. Vai ter uma baixa significativa na população indígena do Brasil. Se já queriam passar a boiada, isto já está acontecendo à luz do dia.

Quem está mais a frente no trabalho, com os povos indígenas, já se fala em genocídio, o que ora ocorre com os povos originários. Acostumados com esta realidade desde a chegada do colonizador, os indígenas também tem manifestado a sua preocupação e afirmam que este grande genocídio se aproxima. “Genocídio” é uma terminologia muito forte! Ela está sendo usada para designar as atrocidades e o massacre de povos indígenas indefesos para uma doença que veio de fora do seu convívio. Não há como falar desta situação de maneira diferente. Esta terminologia foi utilizada pela primeira vez, por volta do ano de 1944, por um advogado da Polônia, Raphael Lemkin, quando juntou a combinação de duas palavras “genos” (do grego raça, povo, etnia) e “cídio” (do latim, ato de matar, exterminar, dizimar)

Evidentemente que as pessoas do governo não gostam quando se usa tal terminologia. Todavia, a realidade nas aldeias fala por si. Não se planejou, não se organizou uma estratégia mais viável para o atendimento dos povos indígenas. Até porque, quem se encontra à frente da saúde, não dispõe de experiência no campo da saúde. Alguns até comentam que se trata de uma situação intencional, uma vez que, quanto mais indígenas morrerem, mais fácil ficará para aqueles que estão de olhos vidrados nas terras indígenas. Aí, já não passarão somente com a boiada, mas com o trator e os agrotóxicos.