Comecei o meu dia rezando e vivenciando um misto de contentamento e tristeza ao mesmo tempo. Alegria por saber que no dia de hoje, 25 de julho, se comemora o DIA DA MULHER NEGRA. Este dia foi instituído pelo governo do Brasil pela Lei nº 12.987/2014. Esta data foi inspirada na comemoração que se faz da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha, que é lembrada no dia 31 de julho. Muito embora estas mulheres não tenham muito que comemorar.
Ser mulher e ser negra no Brasil é uma triste sina. Primeiro por ser mulher. Segundo, por ser negra. São consideradas como seres humanos SUBALTERNIZADOS, SECUNDARIZADOS. Como se houvesse uma classe de seres humanos de uma estirpe superior e as demais, num plano de INFERIORIZAÇÃO. De saber que o Brasil, possui a segunda maior população negra do mundo, depois da Nigéria, na África Ocidental. E esta população compõe o cenário triste da periferia deste nosso país, sobrevivendo à duras penas, numa das sociedades mais desiguais do mundo.
Duas cenas mexeram muito comigo nesta semana que está caminhando para o seu fim. A primeira delas, que nem dei conta de assistir até o final, foi aquela de uma das cidades de Goiás, em que os moradores de rua, foram acordados no meio da noite, com jatos de água fria. Todos que ali dormiam, ficaram encharcados, num dos dias mais frios do ano. Não contive o choro. De cortar o coração, assistir tal cena e não se indignar. Certamente que a pessoa que cumpria tal tarefa, é uma daquelas que se orgulha de dizer que é cristã, como muitos que vemos por aí.
A segunda cena, não menos impactante, é a daquela mãe, que vê o seu filho de 20 anos, sendo arrastado de dentro da sua casa, com agressividade, pela polícia e ser asfixiado ali na calçada. A mãe, parte para cima dos PMs, e se não fosse por ela, o jovem rapaz teria sido morto, ali na sua frente. Tudo porque, o jovem trafegava com uma motocicleta que estava com os documentos vencidos. Mas o que mais me doeu foi a argumentação do policial, ao afirmar que, os tempos agora são outros, com o governo que aí está.
Que triste sina nascer mulher e negra nesta sociedade medíocre que estamos vivendo. Os valores foram invertidos, e o ser humano não dispõe de nenhum valor. Se é negro, ou negra então, recebem em si toda a descarga de uma sociedade que mantém na sua espinha dorsal o racismo estrutural. Depois de 380 anos de escravização, trazemos em nós, no nosso inconsciente coletivo, os valores da CASA GRANDE, naquilo que tem como ideia a respeito do povo negro. A CASA GRANDE mora dentro de muitos de nós, que não conseguimos descolonizar esta perversidade a nós deixada pela HERANÇA COLONIAL.
Esta forma de lidar com o povo negro, esta fortemente marcada por este inconsciente coletivo, impregnado pelo preconceito. Várias palavras do nosso cotidiano, reproduzem as marcas desta chaga aberta, que foi o processo de escravização do negro em nosso país. Sou do tempo que, quando uma empresa precisava de uma profissional do sexo feminino, colocava a manchete nos jornais com os seguintes dizeres: “precisa-se de moça de boa aparência.” Este ‘boa aparência’, era uma forma nada sutil de dizer que, a vaga seria preenchida por uma moça branca. E quantas vezes não saímos por ai dizendo que fulano denegriu a imagem de fulano. É, ‘a coisa tá preta!’ Tudo consequência deste racismo cruel, que temos dentro de nós e que muitos fazem questão de ostentá-lo, sem nenhum pudor.
O DIA DA MULHER PRETA não pode ser só um dia. O dia delas tem que ser todo dia, uma vez que é uma luta permanente para desconstruir os estereótipos instituídos por esta sociedade escravocrata que temos. Significa, antes de tudo, em romper com o discurso da DEMOCRACIA RACIAL e do ideário do BRANQUEAMENTO de um Brasil que nega a sua origem. Ainda mais que, para a mulher negra brasileira, que sempre foi símbolo de resistência, numa luta desigual e incansável, por sua representatividade política e visibilidade de seus direitos diuturnamente negados. Para finalizar, faço minhas as palavras de Djamila: “Aqui no Brasil, como se criou esse mito da “democracia racial”, de que todo mundo se ama e todo mundo é legal, muitas vezes o próprio sujeito negro tem dificuldade para entender que nossa sociedade é racista.” (Djamila Ribeiro – Filósofa e ativista)