Evangelho Jo 11,19-27

Irmãos e irmãs, paz e bem!

Estive ausente por duas semanas porque a vida exigiu minha presença. Minha mãe precisou que a acompanhasse para mudar de casa e no cuidado à sua saúde. Graças a Deus tudo está encaminhado e eu retornando aos afazeres programados.

Hoje celebramos Santa Marta, a irmã de Lázaro e Maria, os quais moravam em Bethânia, caminho para Jerusalém. Eram amigos de Jesus, que gostava de passar em sua casa para descansar, tomar um cafezinho, talvez até posar. Pelo que consta no evangelho segundo Lucas, Marta trabalhava muito, demonstrava seu amor através de seus serviços, mas também foi ela quem, segundo o evangelho de João, professou a fé da Igreja “Tu és o Messias, o Filho de Deus” (Jo 11,27). Em poucos parágrafos espero poder contribuir para uma reflexão pastoral, a partir de minha experiência, com um olhar na casa de Marta.

Pois bem, toda atividade eclesial precisa estar afinada com o Evangelho, ou seja, precisa estar respaldada pelos ditos e ações de Jesus, pois se as ações eclesiais se distanciam dessa fonte, levam a comunidade por outro caminho que não o proposto por Deus para nós, discípulos e discípulas de Jesus. Dos ditos e principalmente das ações de Jesus percebemos que a proposta da Boa Nova do Reino não tem como lugar privilegiado o Templo, mas o Encontro que se dá no Caminho, nas casas, nas praças, na montanha, no local de trabalho, encontro com pessoas, especialmente pobres e marginalizados, em suas situações concretas de vida. Tenho em mente vários documentos recentes da Igreja do Brasil e do Papa Francisco que buscam resgatar esse lugar teológico. Ao meu ver, ao longo dos tempos nós como Igreja fomos nos distanciando desse lugar de encontro, a ponto de considerarmos como Igreja o templo material, e as ações evangelizadoras centraram-se nesse lugar, como espaço do encontro com Deus, mediado exclusivamente pelo padre.

Na passagem do evangelho proposta para hoje percebemos que o Encontro entre Marta e Jesus se deu no Caminho, em um contexto muito doloroso, da morte de Lázaro. Quando Jesus chegou Lázaro havia morrido há quatro dias. Marta reclama da ausência de Jesus. Jesus chora a morte do amigo e pergunta a Marta se ela crê na ressurreição. Marta manifesta a crença dos fariseus na ressurreição do último dia. Jesus se revela a ela como Ressurreição e vida. Então Marta professa a fé cristã por excelência: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo” (Jo 11,27). Sobre essa fé, Jesus faz acontecer a ressurreição de Lázaro.  Trata-se da mesma profissão de fé que encontramos nos lábios de Pedro no evangelho de Mateus. Isso nos leva a refletir.

Nos contextos de sofrimento, como as pessoas anseiam por um ombro amigo, uma palavra de carinho, de acolhimento, que quando não chega por parte dos líderes eclesiais, deixa um vazio muito grande. Lembro-me aqui a realidade de paróquias com muitas comunidades, centradas no padre, centradas na missa rezada dentro dos templos, em reuniões pastorais, formações que exigem deslocamento, trabalhos esses que exigem grande dedicação dos sacerdotes. Os fieis muitas vezes reclamam a ausência do líder religioso em momentos vitais para essas pessoas, seja velórios, aniversários, doenças, alegrias variadas. Muitos sacerdotes se desdobram para atender ao máximo a essas realidades, mas é impossível conciliar tanto trabalho, e muitos se frustram, pois envelhecem rezando missas e missas e depois de vários anos em uma paróquia não percebem mudanças qualitativas na evangelização. Vazio no coração dos fiéis, vazio no coração dos pastores.

Jesus, por sua vez, encontrava as pessoas, em encontros de qualidade, nos quais escutava os acontecimentos e auscultava as dores, sofrimentos e alegria. Uma vez entendida, a pessoa sentia arder o coração e abrirem-se lhe os olhos para reconhecer a ação de Deus na Palavra e Gestos de Jesus. Esses encontros foram registrados em todos os evangelhos, mudavam a vida das pessoas que se tornavam discípulas e alegravam o coração de Jesus que louvava o Pai por revelar essas maravilhas aos pequeninos.

Outro aspecto, que não pode passar despercebido é o fato de no evangelho de João a fé em Jesus, o Filho de Deus enviado pelo Pai, ser dito por Marta, uma mulher. Como ainda precisamos avançar como Igreja Católica nessa compreensão. A maioria dos membros ativos das comunidades cristãs são mulheres, a maioria das lideranças de base são mulheres, mas nas assembleias elas são silenciadas, as decisões são tomadas por homens, o dinheiro é gerido por homens e o culto é presidido exclusivamente por homens. Essa reflexão tem sido trazida com frequência depois do Concílio Vaticano II, mas também tem sido abafada, pois ao longo dos tempos naturalizamos muitas coisas, dentre as quais o lugar do homem e da mulher na Igreja.

Temos nos preocupado com muitas coisas, no entanto, três descentralizações são necessárias: o anúncio de Jesus feito no caminho, descentralização do templo; discípulos e discípulas de Jesus reconhecidos como evangelizadores autorizados pela Igreja, podendo responder pela comunidade e celebrar integralmente os mistérios da fé, ao invés da centralidade no padre; as situações de vida das pessoas como lugar central do encontro com Deus, ao invés de celebrações desvinculadas da vida.

Santa Marta, coluna da Igreja, rogai por nós.