O ideal
A concretização de uma Igreja em saída, que vai ao encontro das pessoas e é pobre para os pobres tem sido traduzida, pelo magistério e teólogos, na Pastoral Urbana. O Concílio Vaticano II lançou a Igreja para o desafio de ser Povo de Deus e sacramento da salvação no mundo. As definições dogmáticas da Igreja não significam uma condição, senão um devir, ou seja, uma esperança, um projeto. O pós-concílio tem sido um tempo de avanços e retrocessos, dinâmica própria da caminhada do Povo Peregrino, lenta, gradual e progressiva. Muitas experiências em comunidades que assumiram esse impulso, próprio do Espirito vindo do concílio, têm alimentando a teologia que vem sendo sistematizada sobre eclesiologia, pastoral e missiologia. Por isso, temos uma vasta produção teológica que busca ler os sinais dos tempos e as experiências de fé do nosso povo, criando uma nova gramática pastoral, propondo novos métodos e estruturas.
Novo momento no caminho de concretizar o concílio
Papa Francisco é o primeiro de nossos últimos papas que não participou do concílio. Contudo, viveu seu processo de formação justamente no pulsar dos acontecimentos tão paradigmáticos para a vida da Igreja. Desde as congregações pré-conclave, transpareceu no cardeal argentino a clareza da missão da Igreja para nosso tempo, com uma síntese muito precisa das proposições conciliares, que ele indicou com imagens objetivas que concretizam essa nova eclesiologia. Portanto, Bergoglio não foi um padre do concílio, mas é um papa fruto do concílio. Francisco, fruto do concílio, ajuda a subirmos um degrau, ou abrir mais as janelas, como sugeriu Joao XXIII, para enxergarmos melhor o horizonte, que projeta a Igreja rumo ao Reino de Deus.
Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças (EG 49);
Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação (EG27);
Esse caminho que aponta Papa Francisco considera a complexidade da realidade atual, a cidade, o fenômeno urbano e todos seus impactos nos homens e mulheres de hoje. Nesse cenário temos um desafio, que já profetizavam teólogos como Rahner e Ratzinger que a Igreja deve ser de pequenas comunidades e que considere a cidade como realidade onde a Igreja está inserida, superando a ideia fragmentada de nossas paróquias. Assim a pastoral urbana representa uma resposta nesse cenário desafiante à missão da Igreja: formar uma comunidade que considera a realidade da cidade e suas complexidades, anunciando o Evangelho e atraindo pessoas para o projeto do Reino de Deus.
O Real
A paróquia se consolidou como uma instituição jurídica fechada, uma espécie de feudo nas palavras do Papa Francisco, em detrimento da eclesiologia da Igreja Local, resgatada no concílio Vaticano II. O ordenamento jurídico canônico que atribuí, exclusivamente, ao pároco a responsabilidade do governo da paróquia, favorece o mal, que todos condenamos, que é o clericalismo, que não conseguimos enfrentar e superar. Nossas paróquias hoje primam pelo administrativo sobre o pastoral, o econômico sobre a evangelização. As estruturas como fins e não meios para a missão. Os sacramentos são fins e não caminho, a paróquia oferece serviços, como um ¨mercado da fé¨ e não compromete nem forma comunidade.
Na cidade, complexa pelo fenômeno urbano, seguimos usando o modelo paroquial criado no século IV. Dividimos a cidade em territórios que não correspondem à trama de relações das pessoas, que consequentemente não formam comunidades. E pior, que cada paróquia, pequeno feudo, define a partir de seu único governo, o pároco, normas, procedimentos e linhas que provoquem em uma mesma cidade que a Igreja trate de muitas maneiras diferentes as pessoas com as mesmas necessidades.
Os próprios diagnósticos da Igreja sobre a realidade da paróquia vivem de uma pastoral de conservação, que se ocupa dos que já estão dentro da paróquia. A atitude auto referencial que denuncia o Papa, uma Igreja que vive em função de sua conservação e manutenção e cada vez mais se esvazia. A pastoral se ocupa de coisas internas, geralmente ligadas ao culto, distante da vida do povo. Essa pastoral não gera comunidades, não cria sentimento de pertença.
O caminho para superar o real e alcançar o ideal
Para uma verdadeira pastoral urbana que assume os desafios que se apresentam nesse caminho para concretizarmos a Igreja Povo de Deus e Sacramento de Salvação, pode-se propor:
Pastoral urbana x paróquia: É necessário assumir o fenômeno urbano como campo onde cultivamos o Evangelho; nesse contexto é imprescindível tomar a cidade com um todo, o que, com nossa configuração paroquial, se apresenta como um obstáculo. Desde de procedimentos mais simples (horários, intenções, sacramentos e sacramentais) até plano de pastoral, não podem ser diferentes e fragmentados, como são em nosso modelo paroquial. Ou seja, o fenômeno urbano exige uma pastoral orgânica, que considera a cidade como um todo.
Comunidade de comunidades: A paróquia não é comunidade, por isso, há um grande contingente de batizados que não tem nenhum sentimento de pertença à Igreja. Porque a paróquia se propõe a sacramentalizar e não a evangelizar. Evangelização acontece na comunidade, que acolhe, conhece, acompanha e celebra. Na paróquia temos uma massa de anônimos. Por isso, a insistência – Aparecida, Evangelii Gaudium e Documento 100 da CNBB – Assim a cidade será uma rede de pequenas comunidades que se articulam entre si numa pastoral urbana e orgânica.
Padres comunitários para formar comunidades: A missão da Igreja é formar comunidades. Uma das grandes contradições para a missão da Igreja é o fato de que o principal agente de pastoral, que tem missão de criar, animar, formar e presidir comunidade, que é o padre, não seja formado para viver em comunidade. Especialmente o clero diocesano, mas as vezes também, entre os religiosos que assumem paróquias, também não vivem em comunidade. Exortam ao povo formar comunidade, mas eles mesmos não as formam. Por isso, para implementar a pastoral urbana, seria mais lógico formar equipes de presbíteros na cidade, que dividi-los em paróquias, que fragmentam a cidade.
A paróquia é a imagem eclesial mais impregnada na consciência das pessoas, contudo, não é um dogma de fé, senão uma estrutura de serviço. Temos um modelo rural para dinamizar a pastoral na realidade urbana. Assumir a pastoral urbana como uma resposta ao mandato missionário de Jesus: ¨Ide a todo mundo e anunciai o Evangelho…¨ Lembremos que o cristianismo nasceu na cidade, as principais cidades antigas e desde aí se espalhou pelo mundo, ou seja, a pastoral urbana é um modelo pastoral que já foi realidade nas origens do cristianismo e que hoje nos desafia. Consideremos a cidade como nosso lugar teológico: Deus vive na cidade.