Pedro, pedra de tropeço

Este domingo não é um dia como os demais domingos. É um domingo completamente atípico. Estamos todos muito tristes. Sinto uma dor muito grande aqui dentro de mim. Ontem, nós perdemos a nossa referência maior, como Igreja da Prelazia de São Félix do Araguaia. O idealizador/criador desta Igreja dos pobres fez a sua páscoa. A estas horas está lá, numa prosa com Dom Paulo Evaristo Arns, seu amigo de longa data, Dom Hélder Câmara, parceiro de muitas lutas e São Oscar Romero, amigo e mártire da caminhada e o amigo vizinho de Goiás, Dom Tomás de Balduino, que anunciava a sua chegada por aqui, fazendo um rasante com o seu teco-teco, sobre à casa de Pedro. Certamente estão agora dando boas risadas.

Pedro sempre foi pedra de tropeço na vida dos que se acham os grandes e poderosos. Mesmo com o seu jeito franzino, o latifúndio, produtivo ou improdutivo, sempre o viu como um grande empecilho em seu caminho, ávido de lucro e exploração, ameaçando-o de morte dezenas de vezes. Mesmo assim, Pedro não arredava o pé. E dizia frequentemente: “Se me matarem me matarão de pé.”

Um homem que se expressava através do dom de ser poeta. Nas entrelinhas de sua poesia revolucionária se lê o seu pensamento e a forma de defesa intransigente dos pequenos: indígenas, posseiros, peões, ribeirinhos, mulheres. Não abria mão de suas convicções, mesmo diante do perigo iminente. Enfrentou os carrascos da morte que até hoje o tem como inimigo dos seus anseios. Não é atoa que, alguns deles, estão muito felizes com a sua partida do meio de nós. Mesmo doente, e sendo bispo emérito desta igreja, seus algozes atribuíam a ele muitas das ações que eram desenvolvidas aqui em nossa região.

Foi assim que aconteceu em 2012, por exemplo, com a desintrusão da Terra Indígena A’uwé Uptabi (Xavante) de Marãiwatsédé, feita pela Força Nacional, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, assinada pelo ministro Aires Brito, no governo de Dilma Rousself. Para os malditos do agronegócio, esta decisão fora orquestrada pelo bispo comunista Pedro Casaldáliga. Foi a sua última ameaça de vida concreta. Havia um monitoramento de que um matador de aluguel, já tinha sido contratado e estava já em São Félix do Araguaia para executar o serviço.

Tivemos que tirar o Pedro daqui de perto de nós. Foi uma decisão difícil de ser tomada, pois Pedro se negava a sair. Choramos todos ao redor de Pedro, depois que nos disse: “O único lugar que eu gostaria de estar é aqui mas, já que não posso, eu aceito sair.” Só se convenceu depois que falamos para ele que, se ficasse, todos os que estivessem ao seu redor, corriam risco de vida também. Lá se foi Pedro doente, como forma de não ser executado dentro da sua própria casa, a mando do latifúndio.

Pedro tinha muito claro para si as coisas nas quais acreditava e dava a sua vida por elas sem pestanejar. Viveu em tudo a pobreza, pois esta era a forma que entendia de estar lado a lado com sofredores. Sua morada em São Félix e o seu jeito simples de ser diz muito quem era Pedro. Sua postura como bispo também teve muitos problemas em relação ao Vaticano, que reclamava que ele não fazia a sua visita periódica à Roma. Aliás, ficou 17 anos sem lá pisar, até que foi inquirido a fazer a visita “ad limina.” Ao encerrar os trâmites no Vaticano, depois de sua visita, fora aconselhado a não dizer nada à imprensa, sobre o teor do que havia acontecido ali. Ao que Pedro argumentou dizendo que se ele não falasse a verdade para a imprensa, ela acabaria inventando o que falar. Mais uma vez, Pedro sendo Pedro na sua forma transparente de ser.

Muitas frases ditas por ele criaram grandes repercussões. É muito comum vê-lãs por aí. Uma destas frases que me marcou sobremaneira foi esta: “O capitalismo é um pecado capital. O socialismo pode ser uma virtude cardeal, somos irmãs e irmãos e a terra é para todos, e, como repetia Jesus de Nazaré, não se pode servir a dois senhores, e esse outro senhor é precisamente o Capital.”

Você se foi, Pedro, como presença física do meio de nós. Estamos muito tristes por isso. Impossível não chorar. Mas continuaremos por aqui defendendo o seu legado. Sabemos que você agora é um dos nossos intercessores junto de Deus. Ainda mais agora, em que somos desgovernados por um homem sem coração, em que a maldade está no seu falar, já que dos seus olhos, transbordam ódio. Destas 100 mil vidas que se foram, quantas não seriam evitadas, se ao menos tivéssemos comando de verdade. Que tristeza Pedro, vê-lo partir num contexto em que muitas das suas lutas e conquistas estão sendo tiradas à luz do dia. Significa que teremos que continuar lutando a sua luta e fazendo as nossas causas serem mais importantes do que as nossas vidas, como você sempre acreditou e fez em vida.