O Deus de Pedro

Não sou teólogo. Apenas fiz a licenciatura em Teologia entre os anos de 1985 a 1988, no Instituto Teológico São Paulo – ITESP. Apaixonei de cara pelo curso. Tive a grata felicidade de cursá-lo na efervescência da Conferencia Episcopal de Puebla, acontecida no México em 1979. Um marco na História da Igreja da América Latina. Morava em uma favela do Jardim Oratório, em Mauá, região do grande ABC paulista. De lá fazíamos uma teologia encarnada, como ato segundo, uma vez que a inserção social, era o ato primeiro, como nos adiantava Puebla.

Mesmo não sendo um teólogo aventurei-me em falar um pouco sobre a experiência de Deus vivida pelo nosso bispo Pedro. Trata-se de apenas um pequeno esboço, de como este homem, vivenciava a sua fé, tendo Deus como a sua inspiração maior. Deus estava tão presente na sua vida que, dificilmente, teria tanta energia para dedicar às suas causas, não fosse essa presença encarnada de Deus em sua vida. E olha que este homem era a energia em pessoa. Um ser eminentemente ativo. Elétrico.

Pedro era um homem de Deus. O Deus de Pedro e o Pedro de Deus eram indissociáveis. Um homem que vivia a encarnação de Deus em sua vida de maneira muito simples e direta. Mas antes de ser de Deus, Pedro experienciava uma vivência muito próxima também da Mãe de Jesus, a quem ele carinhosamente a chamava de “Comadre de Nazaré.” Por ser um homem muito simples, ele encontrou nesta mulher o compromisso, a ternura e a simplicidade, a qual resumia a sua experiência na radicalidade de fé. Pedro soube trazer para dentro de sua vida um dos versículos do Magnificat: “Porque olhou para a humildade de sua serva.” (Lc 1, 48)

Pedro era um homem que tinha um lado. Vivia esse lado na radicalidade de sua fé, no seguimento de Jesus de Nazaré. Ele sempre se referia a Jesus como a “Testemunha fiel.” O prisioneiro político, assassinado entre os dois poderes da época. Foi este mesmo Jesus que muito o ajudou na sua opção clara e definida de classe social. Pedro tinha uma classe, por quem vivia a sua vida. Num de seus mais belos poemas ele dizia: “No ventre de Maria, Deus se fez homem. Mas na oficina de José, Deus também se fez classe”. Pedro também se fez classe, do lado dos que mais precisavam, a quem ele dizia ser o seu próximo.

Pedro era um homem apaixonado pelo Jesus Histórico. Não que desprezasse o Cristo, o Jesus da fé, o pós-Pascal. Que foi, na verdade, a interpretação que os seus seguidores tiveram d’ELE na RESSURREIÇÃO: “De fato, ele era mesmo Filho de Deus!” (Mt 27, 54). A sua cristologia era muito prática e refletia na sua fala a exaltação daquele Jesus que viveu em Nazaré, na Galileia, fazendo a sua caminhada como os fora da história, os “ninguém” para aquela sociedade. Neste sentido, fez questão de ser também um como os explorados do “Vale dos Esquecidos” do baixo Araguaia.

Qualquer um que se aproximasse de Pedro, percebia que ele era um homem embevecido de Deus. O seu corpo franzino se agigantava diante dos obstáculos e desafios que enfrentava no seu cotidiano. Fez da Prelazia de São Félix do Araguaia, uma extensão das suas causas. Uma Igreja JESUANA/MARIANA/SAMARITANA, marcada pela experiência de se ter presente, a força do mesmo Jesus histórico, caminhando pelas estradas de Mato Grosso. Uma Igreja comprometida com as causas de Pedro, mas antes, uma Igreja mergulhada na mesma experiência de Jesus com os seus.

“Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a marginalização social”, Como está definido na sua primeira carta pastoral, de 1971. E não poderia ser diferente disso, já que as forças da morte, representada pelas grandes fazendas, que semeavam o medo e a morte por onde passasse. Revestido da força de Deus, Pedro soube enfrentar este gigante como a um Golias, sem temer mal algum, pois sentia dentro de si a força do próprio Deus que nunca o abandonou.

“É, mas Pedro se indispôs com o Vaticano e não fazia comunhão com o papa”, dizia-me um dos repórteres que me procurou esta semana. Foi quando eu lhe esclareci que não fora Pedro que se indispôs com o Vaticano, mas o contrário. O papa não comungava com a mesma experiência de Igreja vivenciada por estas bandas. Pedro até que tentava dialogar, dizendo que não era ele que tinha que ir ao papa para falar como esta igreja vivia, mas era o papa que tinha que vir ver como isso se dava. Vinde e vede! Igreja pobre, encarnada numa realidade pobre, tendo a comadre de Nazaré e a testemunha fiel como presenças vivas, de um Deus comprometido com os pobres.