A sociedade do (des)respeito

O povo Iny (Karajá) segue no epicentro da pandemia. Muitos infectados e também muitas vidas perdidas. A cultura está sofrendo um baque, porque algumas das mulheres que se foram eram eximias artesãs ceramistas. Outras tinham amplo conhecimento das ervas medicinais e também realizavam o parto natural nas aldeias. Lideranças importantes como o grande Isarire Lukukui Karaja. A aldeia de Santa Isabel do Morro (Hawalo), já conta com muitos infectados. Um grande desafio é o de fazer o isolamento das pessoas testadas positivas.

Um povo que está triste e amedrontado. A impotência se vê em cada rosto, em cada olhar. Já não querem mais vir para serem internados no hospital de São Félix. Segundo eles, quem vem não volta vivo. Um povo que já vive massacrado pela sua história de quatro séculos de contato e que convivem também com os muitos suicídios entre os seus. Um povo que não deixou perder a sua rica cultura, sua língua, apesar da marginalização social na convivência com os não indígenas (Tori). Também chamados de Karajá, mas que não é a auto-denominação original, uma vez que este é um nome tupi que se aproxima do significado de “macaco grande”.

Estamos vivendo tempos sombrios. Não somente por causa desta pandemia que já nos levou mais de 108 mil vidas. Mas porque estamos vivendo um processo de desumanização. Muitos do nosso meio, marcados pelo vírus do ódio, seguem fazendo vítimas com a sua prática enfurecida. Este processo está reduzindo a nossa essência humana, beirando a crueldade. Estamos perdendo a nossa capacidade de ver o outro como ser humano, suprimindo direitos fundamentais básicos das pessoas. Estamos banalizando os atos desumanos, como se fosse algo comum e corriqueiro. Uma verdadeira monstruosidade.

O que dizer da história de uma menina de apenas 10 anos de idade, sendo violentada sexualmente desde os seus seis anos de idade. Uma prática que se tornou tão comum que a criança engravidou aos 10 anos de idade. Várias manifestações de apoio foram dirigidas a esta situação, mas as que sobressaíram foram aquelas das “pessoas de bem”, condenado a pobre coitada pelo crime de aborto. Inclusive alguns religiosos, que perderam a oportunidade de ficarem calados, antes de dizer asneiras morais, carregadas de dogmatismos, demonstrando claramente onde os seus pés estão pisando.

Nosso bispo Pedro, também sofreu com estes tipos de manifestações, carregadas de ódio. Nem sequer respeitaram o seu funeral. Uma destas manifestações veio de um nada nobre deputado federal pelo Mato Grosso. A sua pobreza de espírito é tamanha que nem vale a pena registrar o seu nome. Segundo ele, Pedro foi recebido pelo capeta no inferno em festa, pois este deve ser o destino de todo comunista como ele. Pedro tinha uma tática para lidar com este tipo de pessoa. Simplesmente nada respondia. Deixava que ficasse falando sozinho, afogado em sua mágoa. A pessoa acabava se perdendo na sua mediocridade, pois tudo o que queriam, era o ibope de ser respondido por alguém da sua grandeza.

Vivemos em uma sociedade marcada pelo ódio cada vez mais crescente. Muitos de nós estão perdendo a voz da sua consciência que norteiam os princípios éticos das suas condutas cotidianas. Quando eu divulgo o nome e o endereço de uma criança de apenas 10 anos de idade, que está passando por um procedimento cirúrgico num determinado hospital, incentivando as pessoas a irem para lá se manifestar, não pode ser algo normal para alguém que se diz ser humano. Estamos perdendo o respeito pelas pessoas. Ou seja, estamos perdendo a capacidade de pensar, de distinguir o que é certo e o que é errado, a verdade da mentira. Parece que estamos movidos por puro ódio ao outro e a sua história de vida.

O ódio nos desumaniza, embrutece o coração, transformando em crueldade cega que se recusa a ver o sangue, a dor, o rosto do outro (Papa Francisco). Não podem ser de Deus tais atitudes. Não pode ser humano este ódio mordaz. “O que sentimos no coração quando caminhamos pela rua e vemos sem-teto e crianças abandonadas? Como paisagens da cidade? Quando essas coisas ressoam como normais em nosso coração, a estrada não vai bem” (Papa Francisco).