O lado de cá

Sextou! É assim que dizem os mais jovens. Mais uma semana que caminha para o seu ocaso. Sempre começo os meus dias em oração, buscando entrar em sintonia com Deus, sem perder a perspectiva dos desafios humanos de uma realidade caótica que vivemos. Hoje invoquei Isaías, este profeta que nos inspira a ir mais além. Apesar de ter exercido o seu profetismo entre os séculos VIII e VII a.C, suas palavras são muito atuais e desafiadoras. Sem dúvida, um homem de Deus! Seu nome já o diz tudo: “o Senhor é salvação”, do hebraico “Yesha’yahu”. Acho Isaias fantástico!

O profeta nos alerta de antemão: “Não fiquem lembrando o passado, não pensem nas coisas antigas; Eis que faço novas todas as coisas (Is 43, 18-19). Na perspectiva desta narrativa, somos provocados a ir mais além e projetar uma outra realidade possível, diferente daquela que tínhamos entre nós. O “fazer nova todas a coisas” é o imperativo que nos move daqui por diante, quando a realidade da “normalidade” não poderá mais subsistir. Um outro mundo sonhado pelo sonho de Deus. Em nossa essência de seres humanos, chamados à plenitude, fica o gostinho da saudade que sentimos de Deus presente aqui e agora

Na vida, sempre existirão os lados em que nos posicionamos. Precisamos definir de que lado nós queremos estar nesta nova realidade que se avizinha. Cada um dos lados tem as suas consequências. Nosso bispo Pedro sempre nos provocou, através da sua vida que: “Na dúvida, fique do lado dos pobres.” Ele sempre teve o seu lado. Também sabia das conseqüências decorrentes de estar do lado dos ninguém, os invisíveis e fora da história. E você, de que lado está mesmo?

A Igreja, se quiser mesmo ser fiel à proposta de Jesus, também precisa definir de que lado ela quer estar. Se bem que faz muito tempo que uma parte desta igreja, esteve do lado de lá, defendendo os interesses mesquinhos da classe mais abastada, mas afirmando-se ser seguidora das pegadas de Jesus de Nazaré. Um Jesus das conveniências afins, moldado para caber nos parâmetros dogmáticos, justificando que ELE veio para todos. Um Deus intimista, invocado para domesticar as consciências, fazendo se crer que o mais importante é estar com a consciência tranqüila entre eu e ELE. O outro? O outro é o outro! O mais importante é eu e Deus.

Uma outra sociedade possível! Esse é o nosso lema. Esta é a meta daqui por diante. Construir uma sociedade mais igual, segundo o projeto de Deus. Entretanto, muito precisa ser mudado entre nós. Esta igreja, carcomida pelos seus ritos frios e desinteressantes precisa ser mudada. A começar da formação dos futuros sacerdotes. É verdade que os seminários formam bem os seminaristas, que serão posteriormente ordenados padres. É uma formação humana intelectual, cristã invejável. Todavia, também distancia estes jovens da realidade da vida sofrida do povo. Transformam os jovens advindos das camadas maios pobres da população em pequenos burgueses acomodados, que tem vergonha de voltar ao seio de suas famílias, de onde saíram. Conheci muitos assim. Este aburguesamento perpassará toda a vida deste futuro padre, caso não resolva fazer a opção pelo outro lado.

Evidentemente que nesta nova perspectiva de sociedade, não caberá atitudes como a do padre Ramiro José Perotto, de Carlinda, a 774 km de Cuiabá, Num comentário extremamente infeliz ao se referir a menina do Espírito Santo, quando diz ironicamente nas redes sociais: “Você acredita que a menina é inocente? Acredita em papai noel também? 6 anos, por 4 anos e não disse nada. Claro que tava gostando. Por favor kkkk, gosta de dar, então assuma as consequências”. É padre, você pisou na bola e feio.

Voltando ao profeta desafiador, do lado de cá, iremos edificar um novo mundo. Uma nova sociedade, contando com a participação de todos aqueles e aquelas que escolherem estar do lado de cá: “Vejam! Eu vou criar um novo céu e uma nova terra. As coisas antigas nunca mais serão lembradas, nunca mais voltarão ao pensamento. Por isso fiquem para sempre alegres e contentes, por causa do que vou criar.” (Is 65, 17-18) É a igreja se colocando do lado daqueles que sempre deveria estar, sob o risco de não cometer o erro grave do qual nos alertava Pedro: “Se a Igreja esquece a opção pelos pobres, esqueceu o evangelho.” (Pedro Casaldáliga)