As cercas da morte

Os senhores do agronegócio estão em festa. Rindo de orelha a orelha. São 278 milhões de toneladas de grãos produzidos este ano de 2020. Uma safra recorde. Com a soja e o milho puxando esta produção. Quase tudo visando à exportação. Pouco ou quase nada ficando para o mercado interno. Um custo altíssimo a ser pago, uma vez que estes senhores recebem todo tipo de isenção fiscal e pagamento de tributos, graças a Lei Candir, de 13 de setembro de 1996, que isenta o ICMS dos produtos e serviços destinados à exportação.

Além de não pagar os tributos devidos, esta produção em larga escala, nos envenena a todos com os seus poderosos agrotóxicos. Envenenam o solo, o ar, os pequenos riachos e tudo aquilo que está no entorno destas grandes plantações. Pra se ter uma ideia, até os cachorros de um dos assentados daqui da região de São Félix, não resistiram ao veneno, perdendo as suas vidas. Em uma das cidades de Mato Grosso, o leite materno das mulheres, estava com a presença de um destes poderosos defensivos agrícolas.

É a produção do latifúndio ganancioso e diabólico. Produz, mas também produz a morte em larga escala. Impossível não nos lembrarmos do poema de Pedro que retrata fielmente o que latifundiários representam ontem e hoje: Por onde passei, plantei a cerca farpada, plantei a queimada. Por onde passei, plantei a morte matada. Por onde passei, matei a tribo calada, a roça suada, a terra esperada… Por onde passei, tendo tudo em lei, eu plantei o nada. (CONFISSÕES DO LATIFÚNDIO – Pedro Casaldáliga, 1970)

Paralelo a isso, o capitão do mato vetou nesta terça feira (25) o PL 735/2020, que estabelece, entre outras coisas, a assistência financeira aos pequenos produtores da agricultura familiar, numa tentativa de diminuir os impactos socioeconômicos, decorrentes da pandemia da covid-19. Ou seja, nenhum incentivo àqueles que produzem para o mercado interno e são responsáveis por 70% da produção de alimentos, que chegam às nossas mesas. Um governo que cavalga tendo a morte por companhia.

Todos aqueles e aquelas que apóiam este tipo de governo, são coniventes com a morte. Não somente a morte dos irmãos e irmãs que perderam suas vidas para o Novo Coronavírus. Os que endossam esta política genocida mata também por tabela. Tem as suas mãos sujas com o sangue dos muitos inocentes que, a estas horas poderiam estar vivos, mas interromperam as suas histórias de vida pela incompetência de um governo genocida, que sequer tem um ministro da saúde.

Diferentemente de tudo isso, está o projeto de Deus. Este é pela vida. Nosso Deus é o Deus da vida. Um Deus que é vivo e que gera coisas vivas. A vida que brota de Deus é como o alvorecer de um novo dia, trazendo luz para todos os seres vivos, dissipando as trevas do maligno. Os projetos de morte não são de Deus. São forças adversas, arquitetadas por aqueles que não estão do lado do Deus da vida para todos, mas do lado daqueles que arquitetam a morte.

A proposta de Deus é clara: “Não matarás!” (Ex 20, 13) Redigido de forma muito simples e direta. Não apenas não devemos tirar a vida de quem quer que seja, mas também temos o compromisso de lutar pela preservação, proteção e promoção da vida. Lembro-me do poema de Pedro, cujo nome é bastante significativo: “Não ter nada. Não levar nada. Não poder nada. Não pedir nada. E, de passagem, NÃO MATAR NADA; não calar nada. Somente o Evangelho, como uma faca afiada. E o pranto e o riso no olhar. E a mão estendida e apertada. E a vida, a cavalo, dada.” (Pobreza Evangélica – Pedro Casaldáliga)

Fomos criados a imagem e semelhança de Deus. Num sentido bastante amplo, somos membros e fazemos parte da grande família de Deus. O que dizer das vidas que estão permanentemente ameaçadas no meio de nós? Neste sentido, somos alertados pelo próprio Jesus quando diz: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento”. (Mateus 5, 21-22)

Nunca estivemos tão perto da morte. Ela nos ronda dia e noite. Se não pela pandemia, mas também pelas ações nefastas dos anjos da morte. Neste momento mesmo, centenas de milhares de seres vivos, estão perdendo as suas vidas, em virtude do desmatamento e do fogo que assola mais uma vez a nossa Amazônia. A Casa Comum está sendo degradada pelos criminosos ambientais, que insistem em transformar em cinzas esta floresta tão importante para os povos originários e também todos nós. Mas os partidários da morte por tabela continuam dando apoio a um governo de morte, que insiste em tirar as vidas.