A Pan-Amazônia jurada de morte

O meu sábado começa num misto de contentamento e tristeza. Contentamento pela notícia de ontem (04), quando o líder do povo Kayapó, o cacique Raoni Metuktire, 90 anos de idade, recebeu alta hospitalar, após internação por covid-19. Felizmente, esta grande liderança, reconhecida internacionalmente, venceu a covid-19, é o que nos informa o Instituto Raoni. A segunda notícia nada agradável é saber que todos os profissionais de saúde indígena, que atuam em uma das aldeias do povo Iny, testaram positivo para a covid-19 e foram afastados de suas atividades profissionais. Praticamente a aldeia inteira está infectada.

Curiosamente, neste dia 05 de setembro, comemora-se o Dia Internacional da Mulher Indígena. Este dia, foi criado em 1983, para guardar na memória coletiva a situação de enfrentamento, na incansável luta dos povos originários pela sobrevivência. Também neste sábado se comemora o Dia da Amazônia. Entretanto, nossa querida Amazônia derrete em chamas. O fogo avassalador, segue destruindo tudo o que vê pela frente. Tudo orquestrado pelos grandes senhores, com seus crimes ambientais, sem nenhum pudor e fiscalização/punição dos órgãos competentes. A desfaçatez é tamanha que esta semana, fizeram questão de filmar um trator espalhando o fogo, sob o riso irônico dos criminosos.

O que comemorar afinal, num contexto tão cruel como o apresentado? No dia que se comemora a Amazônia, a floresta chora o seu choro de morte agonizante. Não somente pela destruição frenética, mas também pela pandemia que segue, provocando um verdadeiro genocídio na Pan-Amazônia. As consequências são gravíssimas, uma vez que os números oficiais, coletados pela Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM mostram-nos que os infectados (indígenas, ribeirinhos, quilombolas, povos tradicionais) já ultrapassa a casa de um milhão e está chegando perto de 26 mil mortes confirmadas. Sem dúvida, um número assustador, principalmente se levarmos em consideração, que estamos falando de uma população estimada de 33 milhões de pessoas. No caso dos povos indígenas, o último relatório semanal da REPAM, fala de 47.623 infecções e 1.556 mortes.

A Pan-Amazônia está jurada de morte. Sim porque quem teria a obrigação primeira de defendê-la, acaba de cortar R$ 184 MILHÕES do Ministério do Meio Ambiente (MMA) do orçamento para o ano de 2021. Quando o ministro Ricardo Salles dizia na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, que iria “passar a boiada”, ele não estava brincando. Estamos vendo com os nossos próprios olhos, tal intenção acontecer na prática. Nunca se desmatou e destruiu tanto como nestes últimos dois anos. Uma cena chocou-nos nestes últimos dias: um indígena filmou uma onça com as quatro patas queimadas pelo fogo e ela sem ter condições de andar.

Uma frase muito importante foi dita pelo bispo de Juina, no Mato grosso, Dom Neri Tondello, ao falar da atuação da Igreja na/da Pan-Amazônia. Dizia o bispo, “a Igreja naquela região, precisa se identificar e assumir a realidade local e, por isso, não deve ser uma ‘Igreja de visita’ ou ‘importada’, mas ‘próxima e enraizada’, com o Evangelho como ‘ponto de equilíbrio e resistência’ para as ameaças que vêm do mundo”. No mesmo sentido vem o que foi dito pelo Pe. Júlio Lancelotti, de São Paulo, “a Igreja não tem futuro se não for servidora dos povos da Amazônia”.

Engana-se que as coisas da Amazônia não dizem respeito a quem vive e mora nas cidades. Todos nós estamos sendo afetados pela destruição da nossa Casa Comum. Ou nos empenhamos todos nesta luta em defesa do meio ambiente, ou não teremos mais ambiente saudável que garanta a nossa sobrevivência futura no planeta. A hora é agora ou não haverá mais tempo.

A Pan-Amazônia é mais do que uma simples floresta. É a floresta que garante a nossa existência no planeta, muito embora algumas pessoas insensatas duvidem disso. É a floresta, com seus rios flutuantes, que provoca as chuvas, nas mais diversas partes do país e do exterior. Mas para que isso continue acontecendo, ela precisa permanecer de pé. Mas não é isso o que pensam os desmatadores criminosos que insistem em transformar a floresta em dinheiro vivo, com a extração ilegal de minérios, extração de madeira, principalmente para exportação. Promovendo um verdadeiro saque. Diante deste contexto, não há como não nos lembrarmos de um dos provérbios indígenas que diz: “Só depois da última árvore derrubada, do último peixe morto, o homem irá perceber que dinheiro não se come.”