Rezei hoje com a cabeça voltada para o dia anterior. Ontem foi o 30º dia da páscoa de Pedro. Muitas celebrações, homenagens, expressões de carinho Brasil/mundo afora. Todos fizeram questão de trazer viva a memória deste homem de Deus. Um exemplo a ser seguido, muito embora, com tamanha radicalidade, para com as causas do Reino de Deus, é para poucos. Uma perda irreparável. Sentimos a sua falta, mas seguiremos na caminhada de uma igreja martirial, encarnada na realidade dos esquecidos do Vale do Araguaia.
Pedro fecha um ciclo. Um ciclo daqueles bispos que fizeram questão de marcar a história de forma bastante combativa, de uma igreja povo de Deus, em marcha para ver acontecer aqui e agora o Reino querido por Deus. Nas mais variadas formas, expressadas pelas pessoas, ficaram claro que, além de muito querido, Pedro será um legado a ser construído daqui por diante. Portanto, uma responsabilidade enorme recai sobre esta igreja pensada por ele, no intuito de fazer valer os valores e as causas defendidas por este nosso eterno pastor. Pedro vive!
Curiosamente o evangelho da liturgia do dia de hoje (09) termina com um alerta feito pelo próprio Jesus, quanto aos falsos profetas. Diz o texto “Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas.” (Lc 6, 26) Surge aqui a figura dos falsos profetas. Como os temos entre nós! São tantos que ficamos, às vezes, desanimados pela presença deles em nossa igreja. São profetas de si mesmos e de seus egos, carentes de afagos. Muitos deles, sequer conseguem traduzir em suas vidas o programa de Jesus, para aqueles que se dispõe a segui-lo. Profetas mais a serviço das instituições burocráticas das cúrias, paróquias, que não lhes sobra tempo para estar presentes na caminhada do povo tão sofrido.
Diferentemente de Pedro, que caminhava à frente de uma igreja que estava permanentemente a serviço das causas do Reino. Daí advém tanta admiração por parte daqueles que também se colocam nesta mesma perspectiva. Não é difícil identificar aqueles que, como ele, não medem esforços, colocando-se na mesma trincheira das causas dos sem vez e sem voz. Pedro era a voz dos pequenos. Isto lhe custou muita incompreensão e até perseguição, inclusive dentro da própria igreja, por parte de alguns bispos e cardeais que o queriam ver pelas costas. Ainda bem que Pedro não perdia nenhuma noite de sono por causa dos seguidos ataques que sofria.
Pedro era um homem evangelicamente radical. De uma radicalidade que se expressava de forma bastante serena, pois estava certo das suas convicções. Um homem inquieto diante das mazelas, pelas quais passavam os empobrecidos. Ao fazer a sua opção clara pelos “ninguém”, se colocava frontalmente contra a pobreza e exploração destes. Não queria que os pobres fossem ricos, mas queria, tão somente, que a justiça social fosse cumprida a risca, permitindo que os pobres tivessem comida, terra, teto, e trabalho digno sem exploração. E fazia isto por amor e não por um projeto político. Evidentemente que a política estava presente, pois ele entendia que existem dois lados, e ele se colocava do lado dos pequenos sempre e sem neutralidade.
A sua linguagem profética ressoava a favor do vento. Um profetismo marcado por uma espiritualidade encarnada e martirial, de quem dá a vida pelos seus. Eram tempos difíceis, aqui pelas bandas de Mato Grosso. Num contexto em que o latifúndio era o terror e espalhava a morte por onde passava. Pedro se coloca contra todas as formas deste latifúndio, seja ele produtivo ou improdutivo. Inconcebível que tamanha quantidade de terra estivesse nas mãos de alguns poucos, como no caso de um produtor de soja, que tem “registrado” em seu nome cerca de 250 mil hectares de terra.
Esta era a igreja de Pedro. Ficamos órfãos de seus constantes cuidados, mas teremos um grande intercessor na casa do Pai. Dificilmente viveremos outra igreja semelhante a esta. Pedro era único. Entristece-nos por demais, quando vemos a igreja do Nazareno, vivendo por caminhos adversos e tão distantes de seu projeto. Uma igreja em que os padres, sobretudo os mais jovens, estão mais preocupados com a etiqueta de suas vestimentas: clégimas, túnicas, batinas, rendas e outros adereços, que não se assemelham em nada à roupagem da luta cotidiana dos pobres pela sua libertação da opressão. Pedro, um bispo muito querido. Que esta frase dita em um de seus poemas, nos oriente na nossa caminhada por aqui: “Só vivendo a noite escura dos pobres, é possível viver o Dia de Deus. As estrelas só se vêem de noite”. (Pedro Casaldáliga)