Indiferença, individualismo: misericórdia!

Começo a minha reflexão de hoje fazendo alusão a um artigo, escrito no espaço Religión Digital, pelo teólogo espanhol José María Castillo, no dia 9 de setembro. Nesta publicação, o articulista faz uma afirmação que nos leva a pensar. Segundo ele, “São muitos os padres que se servem da religião para fazer carreira, ter poder, viver com segurança… isso é intolerável”. Isto depois da repercussão, nos meios de comunicação, das mais várias manchetes, envolvendo alguns dos ‘padres midiáticos’.

A Igreja Católica sempre viveu as suas próprias contradições. Na Idade Média, ela foi protagonista de algumas ações que nos fez envergonhar, diante de tais atitudes. Na historia da colonização do Brasil, vemos também algumas de suas performances que nos deixam perplexos. Pra começo de conversa, ela foi conivente com o genocídio dos povos originários e o massacre do povo negro, através do sistema escravagista. Os relatos históricos da época estão recheados de contradições, provenientes da atuação da Igreja. A rigor, ela também tinha os seus escravos e os puniam da mesma forma que a Corte o fazia, com uma diferença: se lá se punia com 60 chibatadas, cá, o negro infrator, era punido com apenas 40 açoites.

O seguimento de Jesus não é fácil. Estar dentro do Projeto de Jesus, exige de cada um de seus seguidores e seguidoras, algo muito mais além do que uma simples ideia piedosa, própria de uma relação individualizada e intimista de fé. Desta forma, para sermos coerentes neste seguimento, precisamos passar por um processo de permanente conversão. Pressupõe uma mudança de mentalidade, mas também de atitude, para estar em sintonia com aquilo que nos foi revelado pelo Galileu. Não basta somente boa intenção, mas um envolver-se nas causas defendidas pelo próprio Jesus de Nazaré: pobres, doentes, mulheres, estrangeiros, marginalizados.

Vivemos hoje numa sociedade marcada pela indiferença e pelo individualismo. As pessoas estão cada vez mais especializadas nestas artimanhas. Onde predomina atitudes como estas, dificilmente haverá espaço para vivência do amor. Aliás, numa sociedade tão desigual, onde alguns poucos têm tudo, e a imensa maioria das pessoas nada tem, não há amor que sobreviva nestas condições. Para que o amor possa ganhar estes espaços, precisamos, antes de qualquer coisa, superar esta contradição da desigualdade, proveniente da alta concentração da riqueza nas mãos de alguns poucos. Assim, ser cristão neste contexto é preciso encher-se de indignação e lutar, com todas as forças, para superar esta desigualdade tão desumana. Onde há desigualdade, Deus aí não está!

Jesus, por outro lado, nos propõe a vivência da misericórdia. Misericórdia esta que é um sentimento movido pela compaixão, que é despertada pela desgraça ou pela miséria do outro. Ser misericordioso significa agir pelas coordenadas do coração e deixar ser invadido pela dor do outro. Não porque o outro seja bom, mas porque ele está necessitado de ajuda. Ele precisa. Quem se move pela misericórdia jamais poderá pronunciar uma das frases mais infames que já ouvi, inclusive de pessoas de dentro da própria Igreja: “Quem tem dó do miserável que fique então no lugar dele”, numa atitude de total indiferença e desprezo pela causa do outro.

Mesmo com toda uma pandemia, dentro em breve estaremos vivenciando as tão esperadas eleições municipais. Alguns dos nossos políticos de carreira estão correndo contra o tempo, para se verem contemplados com nossos desejados votos. O engraçado é que passaram boa parte do tempo de suas atuações, defendendo os interesses mais escusos. Mas agora, eles se lembraram que existimos e até nos chamam pelo nome. Precisamos aprender algumas lições diante deste sofrível contexto: reeleição só com rara exceção; não votar em quem não nos representa; não votar em vereadores que apoiaram seus prefeitos, mesmo diante dos erros deles.

Precisamos construir uma nova sociedade. Nesta, não poderá haver espaço para os indiferentes e nem para os individualistas. Uma sociedade que seja regida pelas regras do amor e, consequentemente, da misericórdia. Uma sociedade que caiba os pequenos, pobres marginalizados. Uma sociedade distante dos interesses capitalistas e da mediocridade das ideias neoliberais de mercado. Uma sociedade em que haja trabalho com dignidade. Uma sociedade em que as pessoas tenham um teto onde se abrigar e comida farta em suas mesas. Mas isso nunca vai existir, me dirão alguns. Pode até ser que não exista, se formos os indiferentes, individualistas de sempre e ainda achando que assim estaremos servindo e agradando a Deus. Misericórdia!