A paz da indignação

Hoje quero falar de paz. Não de qualquer paz. Quero falar da paz inquieta, de quem vê a realidade e não se cala. Não é daquela paz de cemitério que quero falar. Quero falar da paz, não como aquela ausência de guerra, mas daquela paz que incomoda, provoca, desafia e desinstala. Não da paz da ausência de conflito, mas da paz que faz com que encaremos a realidade e nela instauremos as nossas lutas cotidianas.

Como falar de paz numa sociedade tão contraditória e desigual? Como falar da paz numa sociedade em que as pessoas mais pobres, passam fome, e de outro lado, temos tanta opulência de mesas fartas? Como falar de paz em meio a uma sociedade tão desigual, onde alguns poucos têm de tudo, e a grande maioria está desprovida do necessário para viver com dignidade? Como falar de paz, quando os pobres, estão morrendo, vitimados por uma doença que tem o endereço certo dos empobrecidos?

Nesta última semana o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou o quantitativo de desempregados no país. São aproximadamente 12,8 milhões de pessoas sem emprego garantido. São centenas de milhares de pessoas que não tem o que comer, visto que os chefes de famílias, não têm como gerar renda para sustentar as suas famílias. Como falar de paz para estas pessoas, sendo que o que elas mais necessitam no momento, é de garantia da vida dos seus?

Falar de paz para estas pessoas seria uma paz enganosa que não existe. No final de nossas celebrações litúrgicas, o celebrante costuma dizer: “Vamos em paz e que o Senhor nos acompanhe!” De qual senhor estamos falando mesmo? É muito cômodo da parte do celebrante dizer estas palavras, se as pessoas que dali saem, possivelmente, não terão esta paz que ali está sendo desejada. O mais correto seria o celebrante envolver-se nas lutas cotidianas para que, de fato, esta paz seja construída. Alem do mais, a paz é fruto da justiça, é o que diz a Doutrina Social da Igreja. Entretanto, são poucos os lideres religiosos, que se envolvem numa luta específica para ver acontecer a paz.

Como seguidores de Jesus de Nazaré, somos chamados a trabalhar pela paz: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9). A paz é fruto da justiça. Desta forma, todo ato de injustiça e desamor é pecado e uma afronta ao próprio Deus. É fonte de ausência de paz. Estamos cada vez mais cientes de que a violência sempre aparece quando é negado à pessoa aquilo que lhe é de direito, a partir de sua dignidade. Esta violência nega também o desejo de Deus para com os seus: vida digna e abundante (Jo 10, 10).

Num dos ditos de Jesus, ele pronuncia uma frase que parece paradoxal e contraditória. Diz ele: “Não pensem que eu vim trazer paz à terra; eu não vim trazer a paz, e sim a espada.” (Mt 10, 34) Uma frase dita por ele, para explicar a verdadeira finalidade de sua missão e presença entre nós. Ou seja, o anúncio da verdade provoca divisão e exige de cada um de nós a tomada de posição: uns aceitam, outros rejeitam. Aqueles que seguimos a Jesus, porém, devemos permanecer firmes no compromisso com ELE, seguindo-o até o fim. Desta maneira, nada poderá nos desviar do caminho, nem os laços familiares, nem as ameaças à própria vida, nada pode impedir o seguidor d’ELE de testemunhar a justiça do Reino.

Num dos poemas do nosso eterno bispo Pedro (A Paz inquieta), ele nos brinda com algo que, a meu ver, é muito “Jesuano”, semelhante à proposta de Jesus. “Dá-nos Senhor aquela PAZ. A PAZ do pão da fome de justiça, A PAZ da liberdade conquistada, A PAZ que se faz ‘nossa’ Sem cercas nem fronteiras, Que é tanto ‘Shalom’ como ‘Salam’, Perdão, retorno, abraço”. Paz que se faz com e na justiça. Que aguça em mim a pedagogia da indignação. Que faz de mim um instrumento de paz, mas que antes me faz defensor intransigente da justiça verdadeira. “Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta, que não nos deixa em PAZ!” Jamais!