A Ilha do Bananal, localizada no estado do Tocantins, é a maior ilha fluvial do mundo. Possui uma área de aproximadamente 25.000 km². Ela está na divisa do Estado de Mato Grosso com Tocantins, com o Araguaia no meio deles. Um cenário belíssimo para quem está do lado de cá, e vê todos os dias, o sol nascendo lá. Uma obra prima do Criador. Costumo dizer que sou privilegiado, pois moro na beira do Araguaia, estou no Mato Grosso, e vejo o sol nascer no Tocantins. Como sou apaixonado por fotografia, já fiz alguns registros memoráveis deste cenário.
Mas nem tudo é beleza neste atual momento. Ao contrário das imagens que divulgam lá fora, a ilha está em chamas. Nem dá para ver o sol nascer. É como se fosse uma bola de fogo em meio à fumaça. Olha-se para a ilha e só se vê uma fumaça espessa que nos impede até de respirar direito. Um crime inafiançável e sem perdão, para com uma das áreas mais belas, que é esta porção de terras cercada de águas de rios por todos os lados. No caso, os rios Araguaia e o Javaé.
Em meio à fumaça, rezei hoje provocado por uma das minhas amigas (Narli), da cidade do Rio de Janeiro. Numa de nossas conversas ontem, nas redes digitais, ela me fez a seguinte indagação: “Se Deus fosse justo, deixaria tantos inocentes morrerem com essa pandemia?” Confesso que esta sua pergunta varou a noite comigo, tanto que levantei, ainda muito cedo e tratei de apresentá-la a Deus em minha conversa com ELE hoje. Fiz a oração do desabafo. Volta e meia tenho estes colóquios com ELE, encurralando-O, como se isso fosse possível.
Com tanta pergunta sem resposta, impossível não me lembrar de um dos belos poemas de Castro Alves, publicado no livro A cachoeira de Paulo Afonso. Este poema original brasileiro, datado de 1876. “Deus! ó Deus! Onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito… Onde estás, Senhor Deus?” É bem este o momento, que alguns de nós estamos vivenciando, diante deste contexto tão cruel, que ameaça a vida dos pequenos, pobres abandonados.
O que ocorre conosco é que na maioria das vezes, nós não pensamos em Deus. Não o trazemos presente em nossas vidas, principalmente nos momentos de benesses. ELE passa a ser um fator nulo em nossas vidas. Para muitos de nós, Deus é apenas um tesouro adorado em tempos de fartura. Neste sentido, passa a ser também um bode expiatório para os nossos tempos de angústias. Massacramos tudo o que podemos. Maltratamos a revelia a nossa Mãe Terra. Sucateamos desastrosamente o meio que nos envolve, e depois transferimos a responsabilidade para o nosso Deus, como se ELE não estivesse presente sempre. Nós somos tão ingratos, que trazemos de volta dos recônditos da nossa negligência, e colocamos toda a responsabilidade em Deus.
Mas faz parte do nosso dia a dia, implorar para que Deus aja em nosso favor. A tradição bíblica está recheada de momentos assim na história do povo de Israel. Jó, por exemplo, que tem o seu livro provavelmente redigido, durante o exílio, no século VI a.C. trata desta questão com muita propriedade. É importante salientar que o tema central do livro de Jó não é o problema do mal em si, nem o sofrimento do justo e inocente, e muito menos o da “paciência de Jó”, como muitos até pensam. A narrativa do autor deste livro discorre sobre o drama apaixonante de uma questão bem mais profunda no que tange ao povo: a natureza da relação entre o homem e Deus. Num dos dados momento Jó diz: “As pessoas gemem sob o peso da opressão, e pedem socorro contra os poderosos. Mas ninguém diz: Onde está o nosso Deus criador, que restaura as nossas forças durante a noite, que nos instrui mais do que aos animais da terra e nos torna mais sábios do que as aves do céu?” (Jó 35, 9-11)
Eu tenho a impressão de que Deus até gosta das nossas orações de desabafo. Mostramos assim, que não estamos acomodados, vendo tudo acontecer e não nos importando nem um pouco com aqueles que padecem. Mais triste que os nossos desabafos são aqueles louvores que são feitos nos templos vazios da presença do Deus verdadeiro. Louvam a um Deus desconhecido, sem qualquer tipo de comprometimento com a causa dos pequenos que sofrem. A indignação nos leva ao encontro de Jesus. O desabafo nos coloca na mesma lógica do projeto de Deus revelado em Jesus que deseja tão somente que nos abandonemos para assumir o projeto de Deus, que é a missão de todos aqueles e aquelas que se colocam no seguimento d’ELE. Desabafar é indignar-se contra toda forma de injustiça.