Tenho o hábito de rezar pela manhã. Enquanto vou degustando uma boa cuia de chimarrão, aproveito para rezar. Não sou gaúcho, apenas um mineiro radicado nas terras do Araguaia, que gosta de saborear, pelas manhãs, o gosto amargo do mate. Aliás, costumo dizer que sou “minucho”, um mineiro metido a gaúcho. Mesmo não encontrando ervas tão boas e verdinhas como o pessoal do sul as tem.
As araras azuis, mais uma vez se fizeram presentes de novo. Desta vez em maior número. Creio que as de ontem, avisaram para outras amigas que no meu quintal elas encontram: jaca, banana, jabuticaba, cajá e as preferidas delas, as mangas. Fazem um coro musical que se escuta de longe. São Francisco de Assis que iria gostar de ver as irmãs araras louvando ao Criador com a sua algazarra.
No dia de hoje, 03 de outubro, celebra-se em todo o mundo o “Transito de São Francisco”, ou seja, a sua “passagem” deste mundo para a eternidade. Francisco morreu no dia 3 de outubro de 1226, com apenas 44 anos de idade. Ele morreu na presença de seus confrades, cantando o salmo 141, que fala do desejo de ir ao encontro de Deus: “A vós grito, Senhor, a vós clamo e vos digo: ‘Sois vós meu abrigo, minha herança na terra dos vivos.” Foi sepultado na igreja de São Jorge, na cidade de Assis, antes que o cortejo fúnebre passasse pelo mosteiro de São Damião, para que Clara pudesse se despedir de seu grande amigo.
Olhando para Francisco de Assis, alguém que soube como ninguém, acompanhar as pegadas de Jesus de Nazaré, entendemos mais claramente o Evangelho que a liturgia católica nos reservou para o dia de hoje. O capitulo é o décimo, que a comunidade de Lucas narra para nós. Num dos trechos está escrito assim: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Lc 10, 21) A impressão que se tem é que Francisco captou direitinho esta mensagem de Jesus e tratou de colocá-la em prática, ao longo de sua vida. A forma como se relacionava com as criaturas, demonstra este seu zelo em cumprir aquilo que o Mestre lhe dissera ao coração.
Esta é também uma das passagens bíblicas do Novo Testamento, que mais me toca o coração. No dia da minha ordenação sacerdotal (03 de dezembro de 1989), não sei por que, esta frase veio-me muito viva na memória. Não porque me julgasse um pequenino como o foi Francisco de Assis, mas porque entendi ali, naquele momento, que o meu projeto de vida passava necessariamente pela vida dos pequenos. Tanto que fiz ali, a escolha que me acompanharia por toda a vida: estar ao lado dos mais lascados, por onde quer que eu passe. Uma opção verdadeiramente de classe social. “Dies Impedere Pro Redemptis” – “Gastarei e me desgastarei totalmente em favor dos mais necessitados.” (2Cor 12,15).
Ser e estar em Deus, eis a grande questão! Muitos de nós dizemos que estamos com e em Deus. Ser em Deus e estar com Deus! Não se trata de algo assim tão facilmente de se administrar. É possível que alguns de nós, mesmo se julgando estar com Deus, precisa perguntar se, de fato, Deus está consigo também. É muito fácil instrumentalizar Deus para satisfazer os nossos caprichos pessoais e os nossos projetos de vida. Nestas horas vale aquilo que fora dito pela comunidade de Mateus e que nos deixa com uma pulga atrás da orelha: “Esta gente me honra com os lábios, mas seu coração está bem longe de mim. (Mt 15, 8). Será que o mesmo não está também acontecendo conosco, na nossa forma mesquinha e interesseira de nos relacionarmos com Deus?
A gratuidade, a generosidade e a misericórdia, são características peculiares de nosso Deus. ELE se nos dá por inteiro e é extremamente generoso para conosco. Jesus também manifestou a face humana de um Deus que se dá aos seus. De tão humano que Jesus foi que só poderia mesmo fazer parte da Santíssima Trindade. Esta é a proposta que é dirigida a todos aqueles e aquelas que o quiserem seguir: Ser e estar com Deus. E, como a vida nos ensina no dia a dia, não basta ser, é preciso também parecer. Se Francisco foi um homem de Deus, como também a nossa irmã Dulce dos Pobres foi, todos nós podemos sê-lo, desde que nos abramos a tal possibilidade e abracemos as causas dos pequenos. Por fim, fiquemos com uma das frases desta nossa mais nova santa: “As pessoas que espalham amor, não têm tempo e nem disposição para jogar pedras.” (Irmã Dulce dos Pobres)