Mais um domingo em nossas vidas. Mais uma vez, é tempo de descansar e de reverenciar o Deus que nos criou para a plenitude da vida. Tempo de graça e reconciliação. Tempo de olhar a realidade e não se conformar com ela, afinal atingimos a triste marca de 150 mil vidas perdidas. É muita gente que se foi e, a despeito disso, um insano elogia torturador e o outro zomba da nossa cara, num total desrespeito às famílias que perderam seus entes queridos nesta pandemia louca.
Por aqui, um domingo diferente dos demais. Depois de longo período de estiagens, choveu finalmente ontem a noite. É verdade que ela veio com muito barulho, raios e trovoadas. O céu se rasgava pelos clarões. Assim que cessou esta primeira parte, a chuva caiu mansamente rompendo a madrugada. Isto fez com que o domingo amanhecesse bem mais fresquinho, diferente dos 42 graus que vínhamos experimentando sucessivos dias. Muitos focos de incêndio também foram apagados, felizmente.
A liturgia deste domingo nos trás um texto do evangelista Mateus. (Mt 22,1-14) Um texto paradoxal e que sempre tive dificuldades de entendê-lo na sua essência. Custa-me entender como a comunidade de Mateus, colocou na boca do Jesus histórico a versão de um Deus, mais ao estilo do Antigo Testamento. Um Deus carrasco, que provoca uma mortandade, que é bem a ideia que muitos de nós temos de Deus. Quem de nós, já não ouviu a famosa frase: “não faça isso que Deus te castiga” Diferentemente da ideia do Deus amoroso e misericordioso trazida pelo próprio Jesus.
Nestas horas me vem à mente as aulas de cristologia do curso de teologia, ministradas divinamente pelo excelente “cristólogo”, João Resende Costa. Um homem apaixonado pelo Jesus Histórico, passando para muitos de nós, seus alunos, esta mesma paixão. Daí fui entender que só é capaz de conhecer profundamente o Jesus pós-pascal, o Jesus da fé, interpretado pelos seus seguidores (“De fato, ELE era mesmo Filho de Deus!” (Mt 27, 54), quem faz esta imersão na vida e na caminhada do Jesus Histórico, pela Palestina de seu tempo. Talvez por este motivo, haja tantos erros exegético-cristológicos por ai afora.
O tema central deste evangelho é o BANQUETE. Para este, Deus convoca as pessoas para fazerem parte de uma nova aliança, simbolizada aqui por uma festa de casamento. Porem, alguns dos convidados, rejeitam fazer parte deste banquete da vida. Os que rejeitam são exatamente aqueles que se apegam ao sistema religioso que defende seus interesses e, por isso, não aceitam o chamado de Jesus. Os que se fecham sobre si mesmos e aos seus interesses mesquinhos, dificilmente se colocam à mesa da partilha, apegados e comprometidos que estão com o sistema que defendem. O convite é feito então aos pobres e marginalizados. Também para estes, são exigidos os trajes da festa, qual seja, a realização da prática da nova justiça. Caso não a pratique, serão também rejeitados, como conclui o texto do evangelho: “Porque muitos são chamados, e poucos são escolhidos”. (Mt 22, 14)
Parece estranho falar num farto banquete, num contexto em que grande parte das pessoas passa fome. A estimativa é que 805 milhões de pessoas no mundo vão dormir todos os dias sem ter o que comer. Só aqui na nossa America Latina, 47 milhões de pessoas passam fome. Estes dados são anteriores a pandemia. É provável que estes números estejam bem acima destas cifras. Todavia, deste banquete do qual nos fala Jesus, é para os mais pobres. Eles, ao contrário dos grandes e poderosos, estão mais aptos e próximos de vestirem os trajes da festa. Se bem que há aqueles pobres, que ainda pensam com a cabeça dos ricos. Estes estão também ficarão de fora do banquete.
Os indígenas custam acreditar que muitas pessoas passam fome. Não entra na cabeça deles que haja fome no meio dos não indígenas (Waradzu – no dizer dos Xavante). Entre eles não há este tipo de coisa. O Povo Xavante (A’uwé), por exemplo, como são de tradição guerreira, os homens saem para caçar. Quando chegam com a caça, colocam-na no centro da aldeia e ali é realizada a partilha. Da mesma forma, quando colhem o arroz. Ensacam tudo e distribui para todas as famílias da aldeia, cuidando para que aquelas famílias maiores tenham também uma quantidade maior. Assim, todos são chamados para o banquete que é distribuído à todos de forma igual e ninguém passa fome. A coisa mais linda que acho ao final do dia é ouvir o som dos pilões, “pisando” arroz pelas mãos das mulheres.