Senhora de Aparecida

Começo a minha semana de alma lavada. Não somente pela farta e abençoada chuva que caiu na noite deste domingo, mas também pela emocionante homenagem prestada ao bispo Pedro e ao mártire salesiano, padre João Bosco Penido Burnier. A Irmandade dos Mártires da Caminhada nos brindou a todos e todas, com o Sarau da Irmandade. Um verdadeiro memorial de encanto e poesia, que muito nos emocionou nesta noite de domingo. Quem não viu perdeu a grande chance de conhecer um pouco mais da vida destes dois mártires de nossa igreja. 

Hoje é um dia especial para a comunidade católica. Dia da nossa padroeira, nossa Mãe Negra de Aparecida. Ela que apareceu para nós, há pouco mais de 300 anos (1717), quando dois pescadores a encontraram nas águas do rio Paraíba do Sul. Nesta sua aparição, já há a demonstração clara, da predileção de Deus e da Comadre de Nazaré pelos mais pobres. Uma imagem negra, identificando também com todos aqueles e aquelas que são escravizados, denunciando assim as mazelas desta terrível e cruel escravização das pessoas negras em nosso país.

Desde criança tenho uma identificação bastante grande com a Mãe de Jesus. Nascido de família mineira, a nossa mãe biológica, já nos dava os primeiros acordes de quem era esta senhora. Através do presépio, que era montado a cada ano em nossa casa, fui elaborando a minha fé infantil, com os ensinamentos da nossa progenitora, que nos passava a importância desta mulher para a nossa fé. Cresci tendo dentro de mim a força de Maria, como a nossa grande referência para se chegar até Jesus.

Confesso que sempre tive muita dificuldade de relacionar-me com esta mulher vendo-a como muitos a vêem. “Maria Santíssima”, “Mãe Castíssima”, “Maria sempre virgem”. Não que ela não fosse tudo isso. Porem, para mim, ela sempre foi uma mulher simples do meio do povo, que Deus a escolheu para fazer parte de seu Projeto de Salvação. Pobre e desprovida do necessário para se ter uma vida com mais dignidade, abraçou a causa de Pai, fazendo-se a serva de todas as horas, na caminhada com Jesus na defesa dos pequenos.

A minha sorte foi encontrar-me com Pedro, que muito contribuiu para fortalecer as minhas convicções e, particularmente a minha concepção sobre Maria. Na sua simplicidade, mas de uma mística e espiritualidade profunda, Pedro se relacionava com a Mãe de Jesus, chamando-a simplesmente de “Comadre de Nazaré.” Uma intimidade e cumplicidade muito própria dele, na vivência de sua fé. Maria era a mulher sofrida, mas com muita tenacidade, se entrega nos braços do Pai como aquela que não voltaria atrás. Por isso, Deus a cumulou de bens e graça.

Na minha ordenação sacerdotal, fiz questão de reverenciar a nossa Mãe Negra de Aparecida. Convidei um casal de jovens negros (Silvio e Claret) para entrarem dançando semi-nus, trazendo a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Ao fundo o som forte da canção de Milton Nascimento, “A de Ó”, que em um de seus versos diz assim: “Estamos chegando dos pretos rosários, estamos chegando dos nossos terreiros, dos santos malditos nós somos, viemos rezar.” Ficou belíssimo e não houve quem não se emocionasse. Apesar de um dos padres da minha congregação comentar: “É, mas podia ter vindo com mais roupa.”

Dia de nossa Mãe Negra de Aparecida e também dia das crianças. Todos fomos crianças um dia. Todos, não deveríamos perder a pureza e a inocência delas. Dentro de cada um de nós, dormita uma criança. Pena que muitos de nós não deixamos sair e ganhar o mundo nas nossas relações com os outros. Se deixássemos nos pautar pela bondade das crianças, com certeza este velho mundo, não seria tão desigual e cheio de desavenças de todos os gêneros. Vivemos numa sociedade que não cuida das suas crianças adequadamente. De saber que a cada 15 dias, uma criança morre em decorrência dos maus tratos da exploração do trabalho infantil. Uma sociedade que não cuida de suas crianças é uma sociedade sem futuro.

Mãe de Jesus cuida de nós, seus filhos e filhas com carinho! Cuida dos mais pobres, que estão sem teto, trabalho e comida em suas mesas! Cuida também dos Povos Indígenas, tão incompreendidos no seu jeito de ser! Não nos deixe que percamos a esperança de dias melhores, apesar de todas as tragédias que nos cercam. Ajuda-nos a seguir seu testemunho de mulher forte e guerreira, que soube acolher a Palavra e a guardá-la em seu coração de Mãe. Cubra-nos com teu manto, padroeira desta pátria tão amada e ao mesmo tempo tão mal cuidada!