Jesus de ontem e de hoje

Começo os meus rabiscos do dia de hoje, influenciado por duas imagens que provocaram náuseas em mim. A primeira delas é a de um padre, paramentado de túnica e estola, aspergindo água benta sobre um arsenal de armas de grosso calibre, como se as tivesse abençoando. Imagem controversa e minimamente esquizofrênica. A segunda imagem é a de uma candidata a vereadora, com a imagem de Nossa Senhora Aparecida em uma das mãos e uma arma em outra, com os dizeres: Dai-nos a bênção, oh Mãe querida Nossa Senhora Aparecida! Confesso que nada entendi de ambas as imagens.

A mensagem boa, e que me representa, é a série de 8 vídeos sobre A “Carta ao Povo de Deus”, que os 152 bispos fizeram, no intuito de divulgar melhor o teor da carta. Todas as terças-feiras haverá um destes vídeos, falando sobre um dos assuntos da carta. No vídeo desta terça-feira (13), Dom Erwin Krautler, bispo da prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), fala das 150 mil vidas que foram tiradas do nosso meio, e do descaso dos governantes, frente a esta grande pandemia. No mesmo teor da carta, que deu “nome aos bois”, os bispos seguem denunciando este caos que hora estamos vivendo no país. (https://youtu.be/QuWf9RONUBE)

Hoje quero discorrer sobre um assunto que diz respeito a todos nós. Falo da nossa fé que fomos edificando ao longo de nossas vidas. Uma fé que apareceu muito tenramente quando criança, mas que aos poucos foi crescendo, evoluindo conosco. Primeiro adveio a fé infantil, que nos foi passada ainda no berço materno e posteriormente na catequese infanto-juvenil. Esta dimensão da fé foi muito importante para introduzir-nos num universo maior de vivência desta mesma fé. Entretanto, como fomos amadurecendo ao longo da vida, esta mesma fé também foi evoluindo e alcançando outros patamares diferentes dos primeiros.

Esta é a dinâmica da vida: crescer, evoluir, amadurecer sempre e cada vez mais. Todavia, alguns de nós, mesmo alcançando patamares evolutivos maiores, permanecemos ainda com aquela fé infantil e nos relacionamos com Deus e o próprio Jesus de Nazaré, com esta fé infantilizada. Ou seja, a fé não evoluiu de quando concebíamos Deus com a fé da criança que habitava em nós. Desta maneira, a nossa fé precisa entrar numa dinâmica de amadurecimento, o que pressupõe abertura espiritual para a transformação de quem somos e, inclusive, de nossos próprios sistemas de crenças. O esforço para não cedermos à infantilização da fé precisa ser cotidiano e deve ser parte fundamental de nossa vivência religiosa e espiritual.

O Jesus de ontem não é o mesmo Jesus de hoje. Ele cresceu dentro de nós. Amadureceu. Como nós também amadurecemos. O Jesus adulto que há dentro de mim me faz mais liberto para as coisas do Pai, na medida em que vou conhecendo-o cada vez mais, e vou experimentando a sua vivência encarnada em mim. A fé adulta vai apropriando das rédeas da razão. E, ao contrário do que muitos possam pensar, a fé jamais poderá ser inimiga da razão. Utilizamos da nossa inteligência para fazermos as perguntas mais pertinentes. Ou seja, faço uso da minha inteligência para compreender melhor as coisas trazidas pela fé. É através das perguntas que vou me fazendo, que vou conhecendo melhor a mim mesmo e também a fé que há dentro de mim. Bem o disse Santo Anselmo que: “Uma fé que não abre espaço para perguntas não pode ser uma fé cristã.” Ter fé é ter dúvidas, porque não? É através das duvidas que vou alcançando as respostas que ainda não tenho.

A fé nunca poderá ser algo pronto e acabado. Na verdade, ela vai se fazendo na medida em que vamos nos abrindo, para uma experiência mais profunda de Deus em nossas vidas. Experimentar Deus é experimentar o próprio Jesus de Nazaré. É permitir que os mesmos sentimentos que haviam em Jesus, façam parte da minha vida. Assim, não basta ter fé em Jesus. Isto todos podem dizer que tem. O importante é ter a mesma fé que Jesus teve. Tendo a mesma fé que Jesus teve, vou relacionando com as pessoas, aceitando-as como elas são e ajudando-as a também caminhar na mesma dinâmica de Jesus. É fazer a experiência de estar ao lado dos mais vulneráveis, sendo um com eles. Ao fazer esta experiência com o Jesus de hoje, não sejamos como os fariseus do texto do evangelho da liturgia de hoje, a quem Jesus lhes puxa a orelha dizendo: “Ai de vós, fariseus, porque pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as outras ervas, mas deixais de lado a justiça e o amor de Deus.” (Lc 11, 42)