Eu sou porque tu és

Hoje levantei com este mantra em minha mente. Mantra este que advém de uma filosofia africana proveniente da palavra Ubuntu, que quer dizer: “uma pessoa só pode ser ela mesma através das outras pessoas”. Ou seja, eu sou o que sou e quem sou, se o outro, a outra, for quem ela é. Esta palavra de origem africana, desperta em nós vários sentimentos bons, tais como: a solidariedade, a cooperação, o respeito, o acolhimento, a generosidade, que podem ser resumidas numa única palavra: empatia.

Tudo o que tem nos faltado nos dias atuais. Vivemos numa sociedade, marcada pelo clima beligerante, onde uma parte das pessoas é movida pelo ódio. Surgiram até os “gabinetes do ódio”, de pessoas que se especializaram em disseminar o ódio, sobretudo contra os seus opositores. Basta manifestar a posição ideológica contrária, para que estas pessoas sejam dilaceradas. A maldade impera e corre solta. Frente a este contexto, não há como não se lembrar de uma frase atribuída ao pastor batista e ativista político estadunidense, Martin Luther King: “Para criar inimigos não é necessário declarar guerra, basta dizer o que pensa.”

A pandemia que poderia criar em nós sentimentos mais nobres em relação às outras pessoas, de nada está nos adiantando neste sentido. Sucumbimos aos sentimentos mais nefastos. Nem as mais de 150 mil vidas, tiradas do meio de nós, tem nos sensibilizado frente dor alheia. E ao agir assim, manifestamos um tipo de sentimento que não vemos nem no meio dos animais. Como me disse outro dia um professor indígena: “até as formigas, quando tem enchente, elas se grudam umas as outras e seguem juntas até encontrarem um lugar seguro, onde todas possam se salvar.

Evidentemente que tudo isso nos assusta por demais. Ficamos com medo às vezes. Nunca sabemos se também não estamos na lista dos arquitetos do ódio. Ainda bem que Jesus, no texto do evangelho da liturgia do dia de hoje (16), faz-nos um alerta importante. “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, não podendo fazer mais do que isto.” (Lc 12, 4) Jesus aqui está falando diretamente para os seus seguidores, que sabem, de antemão, que não devem ter medo, porque a missão se baseia na verdade. É esta mesma verdade que porá a descoberto, toda forma de mentira de um sistema social que não mostra a sua verdadeira face. Em outra palavras, os homens podem até matar o corpo do fiel seguidor de Jesus, mas jamais conseguirão tirar-lhes a vida, pois é o próprio Deus quem a dá. A nossa segurança é Jesus, a testemunha fiel que garante estar conosco, sendo ELE a nosso favor, diante de Deus.

Quem está em Deus, também está com os filhos seus. Trata-se de uma lógica simples e de fácil entendimento, mas de difícil vivência no dia a dia. Não há como estar com Deus e não estar em sintonia com aqueles que sofrem o peso da exploração. A Palavra de Deus é muito clara neste sentido, mostrando-nos que é uma grande contradição, ser e estar em Deus e deixar-se ser movido pelo ódio ao outro. A psicanálise afirma que o ódio antes de destruir o ser odiado, destrói primeiro a quem odeia. Ou seja, este sentimento é tão negativo que ele busca a ruína daquele que o traz dentro de si.

O frade carmelita holandês, Carlos Mesters, missionário no Brasil desde 1949, nosso grande biblista do método histórico-crítico, que se submeteu a um procedimento cirúrgico ontem (15), em Brasília e passa bem, tem uma frase que nos ajuda a compreender a nossa vivência, tendo como base a filosofia Ubuntu: “A fraternidade é a face humana do amor de Deus”. É esta humanidade que há em Deus que me faz ser humano também e ter em mim os sentimentos que ajudam o outro a ser cada vez mais quem ele quer ser.

O tempo é agora. Não deixemos para depois. O depois é muito incerto e pode não vir da forma como planejamos. A hora de amar e querer bem é agora. Amar a si mesmo e amar o outro como ele é. Concluindo, finalizo com esta frase bastante significativa dita por Maryanne Schramm: “O dia mais importante de nossas vidas é hoje, o amanhã pode não chegar. Deixe as pessoas que ama sempre com uma mensagem que reflita os seus sentimentos. Abrace hoje, visite hoje, ame e demonstre hoje. O amanhã não existe, ele é apenas uma expectativa. Cuidado com o ‘Amanhã’, com o ‘Se’ e com o ‘Depois’!” Não tenhamos medo de amar! Amemos com todas as nossas forças e não nos deixemos contaminar pelo fermento dos fariseus do ódio.