O Reino e a morte como mistério

Estamos caminhando para mais uma eleição. Eleição que vai decidir quem ocupará o posto de gestor municipal e quais destas irão fiscalizá-lo, compondo a Câmara de vereadores. Muitos dos candidatos sequer sabem, qual é a função de um vereador, de tão despreparados que estão. Nestas horas, o salário fala mais alto. Se bem que, muitos dos eleitores não têm a mínima noção de qual seja a atribuição de um vereador. Vota-se mais pela amizade e pelos favores recebidos, do que por uma compreensão clara sobre os projetos políticos em jogo.

A tristeza se abateu sobre mim nestes últimos dias. Depois da ausência de alguns casos, os Iny (Karajá), voltaram a conviver com a experiência do suicídio. Um lindo jovem de apenas 16 anos de idade, pôs fim a própria vida. Tukumabi, depois de se desentender com a sua mulher, cometeu o suicídio na noite de domingo, mas só fora encontrado na segunda-feira. Tanto a sua aldeia de origem (Macaúba), quanto Fontoura, local onde residia, estão de luto. Os Aruanãs estão tristes nestes dias.

Também perdemos um jovem professor indígena A’uwé (Xavante), do Território de Marãiwatsédé. Nazário veio a óbito, depois de se acidentar de moto, em uma das estradas que cortam as aldeias. O Povo A’uwé está também de luto. Uma tristeza muito grande tomou conta da aldeia. O Povo Xavante tem o hábito de raspar a cabeça, (inclusive as mulheres) de todos os membros da família, que perde um de seus entes. O ritual fúnebre é muito doloroso. Não é como o dos Bororo, que se autodenominam Boe, mas é também muito triste, o rito cultural de despedida, daquele ou daquela que está indo de encontro aos ancestrais.

Não fosse esta terrível pandemia, estaria eu no corrente ano, fazendo o meu doutorado pela UnB. Estava pronto para me submeter ao processo seletivo, para ocupar uma das vagas, nesta importante universidade do país. Apesar de trazer em mim a intenção de estudar mais profundamente este mistério que envolve o povo Iny, no que diz respeito ao suicídio entre os membros desta etnia, não tive coragem suficiente, para enfrentar esta nova realidade de um vírus tão letal. São muitas perdas entre eles ao longo destes últimos anos, que me deixa inconformado. Quase sempre, são jovens que perdem às suas vidas, envoltos neste grande mistério. Como eu gostaria de entender um pouco mais sobre este mistério!

A morte é um grande mistério para os povos indígenas. Todos eles têm uma forma peculiar de cultuar os seus mortos. Os nossos vizinhos aqui do Xingu, por exemplo, tem o costume de realizar uma das festas mais tradicionais e movimentadas entre alguns dos povos do Parque Nacional do Xingu. Estamos falando do Kuarup. Esta cerimônia fúnebre, ocorre sempre um ano após a morte dos parentes indígenas. Os entes que já partiram do meio deles, são homenageados, com enormes troncos de madeira. Estes troncos são colocados estrategicamente no centro da aldeia, que são devidamente ornamentados, como ponto principal de todo o ritual. Assim, as famílias daqueles entes homenageados, fazem a sua reverência àquele morto. Eles passam a noite inteira acordados, chorando e rezando pelos familiares que se foram. É uma cena muito forte, e representa toda a forma destes povos despedirem-se de seus parentes pela última vez. Só quem participa, sabe a significância que tem para os povos indígenas o Kuarup. Festa esta que não pôde ser realizada este ano, em virtude da pandemia que provocou um verdadeiro genocídio entre os povos indígenas.

A morte também é algo que nos deixa profundamente tristes, por mais que achamos que estamos preparados para o seu enfrentamento. Esta pandemia veio modificar alguns de nossos costumes, em relação ao ritual de despedida daqueles que estão nos deixando. A pessoa fica sem ter o último contato com os seus, dado o alto grau de transmissão do vírus. Quantas famílias, nem sequer viram os seus entes queridos, de quando estavam sendo atendidos nas redes hospitalares? Também depois de falecerem, não puderam ter um sepultamento descente. Até nestes aspectos, o vírus mudou a nossa rotina diária.

Só por Deus mesmo! Somente ELE, na sua infinita misericórdia, para nos socorrer em momentos tão difíceis como estes que estamos vivendo. O nosso olhar está voltado para o Reino de Deus, que almejamos um dia encontrar/alcançar. Reino este que Jesus afirma já estar entre nós (Lc 17,21). Desta forma, é inútil procurar sinais misteriosos da vinda do Reino. Ele já está presente em qualquer lugar, onde a ação de Jesus é continuada. O Reino vai se tornando realidade, na medida em que fazemos aquilo que José Antonio Pagola nos alerta: aprendemos a seguir Jesus a partir das vítimas. E, a partir do sofrimento delas, abrir espaço, em nossas vidas, aos marginalizados e excluídos, promovendo a solidariedade, pensando nas necessidades dos últimos e deixando de lado o nosso próprio bem-estar.