Estamos já no sábado, vésperas da eleição. Amanhã caminharemos rumo às urnas. Foi neste clima pré-eleitoral, que fiz a minha oração matinal. Desta vez, quem me fez companhia foi um ruidoso bando de maritacas. Vieram socializar das goiabas do quintal. Os galhos da goiabeira pendiam de tantas que se ajuntaram. Devem ter predileção pelas goiabas brancas, pois a algazarra era completa, num dialeto que somente elas entendiam. Sou Francisco, mas não sou de Assis, entretanto, fiquei por um longo tempo, contemplando feliz, aquela manifestação das irmãs maritacas.
Eleições! Mais uma vez estamos diante delas. “Tempora mutantur” (“Os tempos mudam e nós mudamos neles”), já dizia a frase em latim. O tempo passa, as coisas vão mudando, mas as nossas eleições parecem que não mudam nunca. São sempre as mesmas! As pessoas acostumaram a ver nestes momentos, uma forma de colocar o “jeitinho brasileiro” em dia e angariar algum favor, benefício, e quiçá, uns “trouquinhos” a mais no bolso. É um circulo vicioso terrível: políticos e eleitores já estão mal acostumados com esta prática desonesta. Coincidentemente, veio a faltar combustível na cidade. Será por quê?
Curioso que sou, fui até o Arquivo da Prelazia, a procura de algum texto escrito por Pedro, acerca das eleições. Não demorou muito e já encontrei uma de suas pérolas. Num dado momento de seu escrito ele assim se manifesta: “No voto você joga sua consciência, sua responsabilidade, seu compromisso político, como cidadão. No voto você joga sua fé, como cristão que participa na caminhada do Povo, construindo o Reino de Deus. Voto não é brincadeira. Nem mercadoria. Nem um jeitinho para agradar compadre ou para agradecer favores ou para ganhar um cargo ou para tratar doente ou para comprar uma bicicleta”. (Pedro Casaldáliga – Jornal Alvorada, Set/Out. 1988)
Pedro sendo Pedro, na sua forma direta e inequívoca de posicionar-se diante do contexto a que estava inserido. Tinha um senso de justiça bastante apurado, pelo qual deixava reger a sua vida. Lembro-me bem de quando os fazendeiros daqui da região, incentivaram a invasão do território Xavante de Marãiwatsédé pelos posseiros. Pedro fez a defesa intransigente da terra indígena, como era de se esperar. Como era também defensor da terra para os posseiros e, mediante o questionamento feito por um destes fazendeiros acerca desta atitude, Pedro simplesmente lhe respondeu: “Sou a favor da terra para os posseiros, desde que não esteja dentro da terra indígena.”
Cresci ouvindo dos mais velhos esta frase: “Justiça seja feita.” Mais tarde fui ouvir também que a justiça é cega. No caso brasileiro ela não é cega, mas tem lado. O lado daqueles que possuem poder aquisitivo e podem pagar por ela. Isso nos faz lembrar, de uma das frases ditas pelo jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Hughes Galeano: “A justiça, como as serpentes, só morde os descalços.” Da mesma forma que repetimos sem refletir que “a justiça tarda, mas não falha”. No caso brasileiro, ela tarda e também falha.
No tempo de Jesus não era diferente. Havia também os juízes que eram injustos. Tamanha contradição, pois o fato de ser juiz, necessariamente deveria ser alguém que pautasse a sua conduta pela prática da justiça. O texto do evangelho de hoje é um exemplo claro desta situação. (Lc 18,1-8) A narrativa do referido texto, nos coloca diante da situação de uma pobre viúva, que buscava a todo custo, que certo juiz iníquo, a fizesse justiça. De tanto ela insistir, o dito acaba por lhe fazer a justiça que ela tanto buscava. Mais uma vez, a Insistência e a perseverança daqueles que estão insatisfeitos com a situação, acaba prevalecendo. Mostra-nos que, mesmo diante de uma justiça que não é para todos, não devemos desanimar nunca, pois Deus acaba atendendo àqueles que, através da oração, testemunham o desejo e a esperança de que se faça justiça.
Para a pessoa que segue as pegadas de Jesus, a justiça mais feroz é aquela que se forma na consciência da pessoa. Pensando nisso, no dia de ontem, (13) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, voltou a votar de maneira favorável pela liberdade do traficante André do Rap, que deixou a prisão, em outubro deste ano, e encontra-se foragido, após uma decisão deste mesmo ministro. Tal situação nos faz lembrar também de uma das dicas dadas pelo próprio Jesus: “Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu.” (Mt 5, 20) Trocando em miúdos, podemos também dizer: se a vossa justiça não superar a justiça do STF…