Estou triste! Iniciei o meu dia rezando pela nossa matriarca que nos deixou. Dona Helena (91) fez a sua páscoa na madrugada desta segunda-feira (23). Uma das moradoras mais antigas da cidade de São Félix do Araguaia. Casada com o Seu Paulo (96), era ela que rezava e benzia e curava as pessoas que a procurava com algum tipo de moléstia. Uma guerreira, sempre pronta a ajudar as pessoas. Mantinha um repertório de devoção popular em sua casa. Tinha veneração por São Sebastião, São João Batista e São Pedro. Por longos anos realizava os festejos em sua casa, onde mantinha um oratório que as pessoas aproveitavam para rezar.
Uma pessoa cheia de saberes tradicionais, que colocava a serviço das pessoas. Logo que a conheci, assim que cheguei à São Félix, ela chamou a minha atenção pela dedicação às pessoas mais pobres. Sempre com a sua bicicletinha, percorria a periferia da cidade, disposta a ajudar os mais pobres. Ao término de uma das celebrações na catedral de São Félix, num domingo pela manhã, me chamou do lado e me disse: “Padre Chico, eu gosto das suas celebrações. O senhor fala diretamente ao nosso coração.” Naquele dia, fui pra casa todo envaidecido. Pedro se referia a dona Helena como uma seguidora radical da Testemunha Fiel. E olha que de radicalidade, Pedro entendia.
Estou triste também pela situação que está passando o pequeno Níkolas, de apenas 7 anos de idade, que teve uma meningite viral e está internado na cidade de Confresa/MT, com complicações no cérebro. Fez uma ressonância magnética e encontra-se sedado. Teve que passar por uma transfusão de sangue, por causa de sua hemoglobina que está bastante baixa. Peço a oração de todos aqueles e aquelas que estão lendo este texto, para pararem um instante, nos seus afazeres diários, para fazer uma pequena prece pelo nosso Níkolas.
Estou vivendo nestes dias, tendo muito presente em mim, a canção de Tom Jobim Chega de Saudade: “Vai, minha tristeza. E diz a ela que sem ela não pode ser. Diz-lhe numa prece. Que ela regresse. Porque eu não posso mais sofrer.” Este “ela” da qual se refere a música, para mim, é a vida que precisa voltar a ser vivida na sua integridade e plenitude. Chega de vivermos pela metade! O que me acalenta em meio a estas circunstâncias é a notícia que me chega pelas mídias digitais, que trás a narrativa da história do pequeno Matheus Ferreira de Moura, de 5 anos, recolhendo livros numa caçamba de entulho e, os levando para casa. A cena foi flagrada pelos policiais militares que acharam aquela situação inusitada. O pequeno recolhendo livros para os seus estudos e o de seus outros 5 irmãos.
Os policiais ficaram surpresos, pois achavam que Mateus, estivesse atrás de comida naquela caçamba de entulho. Isto aconteceu na cidade litorânea de Caraguatatuba/SP. Tal situação mudou a rotina daquela humilde família, pois, assim que a notícia caiu nas redes, várias pessoas se solidarizaram, promovendo uma vaquinha virtual de ajuda, através de doações de dinheiro e cestas básicas à família do pequeno Mateus. Nem tudo está perdido e ainda encontramos pessoas que são capazes de gestos humanitários de solidariedade e partilha.
A história de Mateus me fez lembrar de minha infância. Quando criança, tive um amigo, de família muito humilde. Uma pessoa muito inteligente, que sempre sobressaia nos estudos. Naquela época, não havia energia elétrica em sua residência, e este meu amigo, ficava embaixo de um poste de energia, que ficava em frente da sua casa, para poder conseguir ler e estudar durante as noites. Este meu amigo, passou em primeiro lugar num dos vestibulares mais concorridos de uma Universidade Federal de Minas, ocupando a cadeira do curso de Medicina. Hoje é um renomado neurologista da cidade.
Ainda não estamos no fim do mundo, como alguns até possam pensar. Seguimos firmes na nossa trajetória de vida, fazendo acontecer a nossa história. Pelo menos é o que nos alerta o texto do evangelho da liturgia de hoje. Num dos dados momentos da narrativa da comunidade de Lucas, Jesus nos alerta: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu!” (Lc 21, 8) Quantos por ai não há que se arvoram, como emissários e verdadeiros representantes do Senhor? Porta vozes e anunciadores das catástrofes, como forma de amedrontar os menos avisados. “Não siga esta gente,” vai nos dizer Jesus. O nosso horizonte está muito mais além. A nossa meta é chegar o mais próximo deste horizonte, como o fez dona Helena de Seu Paulo, sendo uma discípula de Jesus de Nazaré, curando a todos os que por ela procuravam.