A vida como ela é

Nelson Rodrigues foi um cara fenomenal! Sempre fui fã inconteste deste nordestino de Recife, Pernambuco, nascido em 1912 e que nos deixou tenramente no ano de 1980, aos 68 anos de idade. Muitos até pensam que ele era da cidade do Rio de Janeiro, de tão identificado com o povo daquele Estado. Muito li deste grande escritor, jornalista, romancista, teatrólogo, contista e cronista. Ou seja, um homem das letras, que fazia muito bem, tudo o que tinha a sua marca registrada.

É dele a frase que diz que “qualquer indivíduo é mais importante do que toda a Via Láctea.” Esta sua frase vem de encontro à outra frase, não menos significativa, de um dos maiores gênios que a humanidade já conheceu. O físico teórico alemão, autor da Teoria da Relatividade, Albert Einstein, nos dizia: “Um simples ato de amor é maior do que o Universo Físico inteiro.” Olha que este grande sábio conhecia, como ninguém, o Universo. Pelo jeito, de amor também.

Amor que tem nos faltado nas nossas relações cotidianas. Como estamos carentes deste amor gratuito! É deste amor maior que estamos sentindo falta entre nós. Pelo visto, esta grande crise sanitária, não foi suficiente, para nos fazer pensar, refletir, e mudar de atitude, acerca das nossas vidas e do nosso comprometimento com as vidas daquelas pessoas que estão perdendo dia a dia os seus entes queridos. Relativizamos a morte e todas as circunstâncias que envolvem o contexto de um vírus que mata. Mata pobre! Mais de 173 mil vidas se foram, e nós queremos que tudo se abra, para que a vida volte ao seu normal, como se isso fosse, de fato, possível neste atual momento.

Voltando ao meu cronista favorito, Nelson Rodrigues, vivemos hoje, a “crônica da morte anunciada.” Com nome e sobrenome, os pobres e vulneráveis, são aqueles que o vírus encontra com maior facilidade: favelados, negros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, enfim, comunidades da periferia. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a pandemia de COVID-19 intensificou ainda mais a insegurança alimentar em todo o mundo, onde cerca de 130 milhões de pessoas correm o risco de ficarem à beira da fome. A esse número se soma aos 690 milhões de pessoas que já não têm o que comer.

Não existe coisa pior que alguém que está passando fome. É não ter o que comer e não saber quando o terá para comer. Não existe coisa mais dolorosa e degradante, para um pai ou mãe de família, ver os seus pequenos chorando com fome, e sem nenhuma alternativa para resolver tal situação. É de sangrar o coração! Não há como ficar insensível, perante situações como estas. Como a daquela criança, que escreveu uma cartinha, e colocou embaixo do portão da minha casa. Dizia ela: “Eu não quero que você me dê um brinquedo, ou uma bicicreta, que eu tanto queria ganhar, mas gostaria que você, desse uma sexta básica, para quando chegar o Natal, a gente lá em casa, ter o que comer, já que o meu pai, não encontrou emprego, e a minha mãe sustenta nóis, lavando roupa pra fora.”

É, Nelson, a coisa aqui está feia! De saber que, mesmo com toda esta crise sanitária, econômica e social, vivemos também uma grande crise ética e moral. Uma verdadeira crise de valores, onde uma casta de políticos e membros do judiciário brasileiro vivem como se nada disso estivesse acontecendo. Recebem seus vultosos salários, rigorosamente em dia, acrescidos dos costumeiros penduricalhos: auxilio moradia, auxilio saúde, auxilio casaca, auxilio alimentação, auxilio combustível, auxilio livros e por aí vai. Uma infinidade de mordomias, sustentadas com dinheiro publico, de tantos impostos que pagamos.

Que vergonha de saber que existem entre nós estes tipos de pessoas! Que vergonha saber que moro num país, onde ainda existem pessoas que não estão nem aí para a hora do Brasil! É chegado o momento histórico de passarmos este país a limpo. Se bem que, da forma como encaramos as urnas nas eleições, demorarão alguns anos mais, para chegarmos a este ponto, uma vez que, como já nos dizia o filósofo francês Joseph-Marie Maistre (1753-1821): “Cada povo tem o governo que merece”.