Onde Deus possa me ouvir

Estamos vivendo dias difíceis. A situação não anda nada fácil. O vírus segue aprontando das suas, frente a uma população descrente do seu poder de fogo letal. Agora não são mais as pessoas de mais idade, sendo atingidas. Jovens desprevenidos estão entre os números daqueles que foram infectados. As autoridades sanitárias seguem alertando a população para o surto de ocupação dos leitos hospitalares nestes últimos dias. A tendência é que aumente ainda mais. A conta dos descuidos durante o período eleitoral chegou.

Várias pessoas já estão sendo reinfectadas. No meio indígena também. Só que, desta vez, os sintomas tem sido muito mais agressivos. Faz a pessoa sofrer muito. É assustador viver nesta realidade, sem segurança alguma. Queríamos, e como queríamos, estar distantes desta realidade a que chegamos nós. A vacina está a caminho e mesmo ela, ainda não nos dá algum alento, até porque não foi traçado ainda um plano estratégico de vacinação em massa para a população que segue incrédula.

Por outro lado, a carestia segue consumindo o nosso suado dinheiro. Basta adentrar a qualquer supermercado para ver o quanto os alimentos básicos, subiram de valor nas prateleiras. Também não é para menos, não se vê nenhum plano governamental para o enfrentamento desta realidade. Assusta saber que o Brasil, sendo o maior produtor de soja do mundo, importando este produto, forçando a população em geral, a pagar o olho da cara, por um litro de óleo de soja. Confesso que não dá para entender esta lógica perversa.

Situações como estas nos entristecem por demais. Não conseguimos enxergar novas perspectivas no cenário nacional. Os desmandos continuam soltos e não temos segurança alguma de que viveremos algo diferente mais à frente. Somado a isso, algumas pessoas especiais nas nossas vidas, perdendo a vida, seja pela doença causada pelo vírus, seja por algumas outras, ceifando vidas indefesas, como a do jovem rapaz de apenas 19 anos, parente de pessoas de nossa cidade, que está padecendo em estado grave numa UTI, vítima de um câncer que começou em uma parte de seu corpo, virando metástase.

Neste contexto, rezei hoje a oração do ser inconformado. Daquele que olha para Deus e fica se perguntando: até quando Senhor, os pobres continuarão pagando esta conta? Até quando a vida dos pequenos não valerá nada, perante uma sociedade que insiste em ignorar a vida e o sofrimento dos pobres “Jós”, existentes em nosso meio ainda hoje? Neste meu inconformismo, busquei guarida na canção do cantor e compositor mineiro Vander Lee, que nesta sua canção (Onde Deus possa me ouvir), expressa todo o nosso sentimento amordaçado no peito: “Que me oferecesse um colo , um ombro onde eu desaguasse todo desengano. Mas a vida anda louca. As pessoas andam tristes. Meus amigos são amigos de ninguém.” https://www.youtube.com/watch?v=0KW8cLVGqls

Convido cada um e cada uma que agora lê este meu texto, que encontre um tempo na sua vida corrida e busque rezar com esta canção deste cantor. Esta sua canção é uma verdadeira oração em forma de música. Caso não se encontre nesta bela canção e não consiga rezar, aproveite para fazer a mesma experiência dos dois cegos, diante de Jesus, que nos é apresentado no texto da liturgia de hoje. (Mt 9,27-31)

Homens que alem de não enxergar, tinham uma concepção equivocada do próprio Jesus que estava ali à frente deles. Eles o chamam de “Filho de Davi” e não como o “Messias Enviado”. Na verdade, esta expressão “Filho de Davi” é um título atribuído a Jesus Cristo que aparece algumas vezes no Novo Testamento. Ao dizer que Jesus é o Filho de Davi, faz-se referência a sua descendência de Davi segundo a carne (Rom 1, 3). Tanto por meio de José, seu pai (adotivo), quanto por Maria. Descendência que nos mostra Jesus ligado a Davi.

Mas Jesus nem se importa com isso, apenas os fazem ver conforme a fé que manifestaram nele e lhes diz: “Faça-se conforme a fé de vocês” (Mt 2, 29) O que Jesus quis mostrar a eles é que a justiça do Reino liberta as pessoas para o discernimento (ver) e expulsa a alienação (demônio) que impede de dizer a palavra que transforma a realidade. Em outras palavras, Jesus os faz entender que a justiça libertadora, provoca aqueles que não se importam com ela e são contrários a ela, maltratando ainda mais aqueles que sofrem por causa da ausência dela. O importante é abrir os olhos para enxergar uma outra realidade possível, em que os filhos de Deus não padeçam diante das estruturas de morte, arquitetadas para tirar a vida dos pequenos de Javé. Que Jesus abra também os nossos olhos hoje e sempre!