Fui ontem a tarde visitar o túmulo de nosso profeta maior. É bem aqui perto de casa. Uns 100 metros talvez. Na beira do Araguaia, lá está ele, na sua sepultura simples, como tudo na sua vida era assim. Bem do jeito que gostaria, pois segundo ele, queria passar a sua eternidade contemplado o Araguaia, que desce veloz rumo ao Rio Tocantins. Uma paz inquieta toma conta do lugar. Não há como não rezar, diante daquele cenário, sem nos lembrarmos e invocar um dos seus poemas “A Paz inquieta”, que começa desta maneira: “Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta. Que denuncia a PAZ dos cemitérios e a PAZ dos lucros fartos”.
Meu coração encheu-se de melancolia, não só por lembrar este dia de ontem, mas também porque, diante de uma chuva mansa e tranquila que o dia de hoje nos propôs logo cedo, uma nostalgia toma conta de meu espírito. Até os pássaros hoje cantaram o seu canto de forma triste. Não sei se eu teria a mesma disposição, mesmo molhando seus corpos frágeis, ainda assim encontram disposição para cantar, acordando o dia preguiçosamente e louvando a Deus pela vida dada gratuitamente.
Neste clima bucólico, lembrei-me também do legado profético e poético de Pedro. Legado este que precisamos urgentemente trazer à Luz do dia, se quisermos dar respostas concretas e atualizadas ao contexto de uma pandemia, que insiste em permanecer por aqui. Pedro tem muito a contribuir com esta igreja que renasce na pós-pandemia. Uma igreja que precisa encontrar-se com o projeto originário de Jesus, se quiser ser fiel àquilo que ELE nos propôs como desafio de seu seguimento pelas estradas da vida.
Apesar deste clima mais tranquilo que estou dando inicio ao meu dia, algumas notícias que nos chegam, são desoladoras. Uma delas é a da taxa de transmissão do coronavírus no Brasil, que aponta a velocidade com que a Covid-19 pode se espalhar, chegou a 1,14 de acordo com dados do Imperial College de Londres. Isso significa que, a cada 100 pessoas infectadas, outras 114 podem entrar em contato com o vírus. Cenário nada tranquilizador para quem vem vivendo estes meses todos com esta realidade.
Mas, a despeito desta pandemia, que não deixa de ser pavorosa, uma notícia que me deixou profundamente triste, foi aquela que aconteceu na Universidade de Brasília (UnB), quando uma apresentação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), do aluno de jornalismo Allan Montalvão, de 23 anos, foi alvo de ataques LGBTfóbicos nesta ultima segunda-feira (7). A banca contava com a presença virtual dos professores que avaliariam o trabalho. Depois do ataque, os trabalhos tiveram que ser interrompidos, pois não havia condições de dar continuidade. Ataques acompanhadas da frase que costumam dizer em situações como estas: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Não suporto mais esta falácia, “Deus acima de todos”. Este, com certeza, não é o Deus de Jesus. Se tem algo que Jesus fez questão de nos anunciar, com todas as letras e o seu testemunho vivo, foi a face de amorosidade e profunda misericórdia de Deus. E não podia ser diferente, pois, de tão humano que Jesus era que só poderia nos mostrar esta face também humana de Deus. O “deus” que está acima de todos, invocado e manipulado pelo “cristofascismo”, não tem nada a ver com o Deus presente no meio dos seus. “ELE está no meio de nós!” Foi o próprio Jesus que assim nos garantiu: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos.” (Mt 28,20)
Assusta-me algumas atitudes que vejo acontecer entre nós. Como a daquele sacerdote que estava esbravejando, reclamando que as pessoas, não estavam participando mais das “Adorações do Santíssimo” que ele estava propondo para a sua comunidade. Em momento algum o dito padre procurou saber e conhecer mais de perto, como as pessoas, sobretudo as mais pobres de sua comunidade, estavam fazendo para enfrentar a falta de desemprego, a falta de dinheiro e a fome ocasionadas pela crise sanitária em vigor. Creio que diante deste contexto, nem o próprio Jesus histórico se fizesse presente na tal cerimônia, preocupado que estaria em dar uma resposta aos mais pobres e vulneráveis.
“Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. (Mt 11, 28) Esta é a proposição de Jesus no Evangelho de hoje. De fato, estamos cansados com tantos dissabores. A gente pensa até em desanimar e jogar a toalha, depois de sentir as forças exaurir-se. Mas, diante do próprio Filho de Deus, que se coloca no lugar daquele que nos acolhe, no conforto de seus braços, encontramos forças e vamos caminhando um pouco mais. De esperança em esperança, encontrando a paz interior. Não qualquer paz, mas como também dizia Pedro: “Aquela PAZ inquieta, Que não nos deixa em PAZ!”