Paulo e Pedro

Iniciando mais uma semana. Segunda-feira (14) da terceira semana do Advento. Tempo de espera. Tempo de esperançar, na perspectiva de preparação para ELE que vai chegar. Novos sonhos se avizinham. É Deus conosco que vem nos alegrar e nos proporcionar vida nova. Mesmo que a morte seja uma realidade, a vida pede passagem. Eu Sou, é um conosco e nos trás um Deus de ternura para nos encher de paz. 

No dia de hoje, há quatro anos, partia do meio de nós, Dom Paulo Evaristo Arns. (1921-2016). Foi exatamente numa quarta-feira de 2016, que o cardeal, Arcebispo Emérito da Arquidiocese de São Paulo, fazia a sua Páscoa de encontro com o Ressuscitado. Ele estava internado no Hospital Santa Catarina, em decorrência de uma broncopneumonia. Tinha 95 anos de idade. Sobre ele, nosso bispo Pedro assim se manifestava: “Pastor do Povo Novo, que congrega todos os Pobres das Periferias na livre, irreprimível caminhada. (Profeta rejeitado na Metrópole). O Homem invadiu todo o espaço da aberta catedral de tua vida. Dom Paulo, Paulo irmão”.

Paulo e Pedro eram amigos de longa caminhada. Amizade selada no fogo do Espírito e na profecia. Uma luta incansável pelas causas maiores. Os Direitos Humanos transfixavam suas veias. Representantes de uma igreja martirial das causas de Jesus. Igreja pobre com os pobres, para os pobres e com os pobres. A opção não era do dizer, mas da vivência encarnada. Trocavam confidências permanentemente. Num tempo em que as cartas eram a forma principal de contatos.

Dois homens, duas vidas. Duas histórias que se entrecruzavam. Muitas vidas os envolviam. Eram referências mundiais, na luta pelos direitos feridos e negados aos pobres. Ambos enfrentaram as agruras de um regime ditatorial, cruel e sanguinário. Sofreram na própria pele a perseguição, a calúnia e a difamação, por tamanha coragem. Eram perseguidos dentro da própria Igreja, por uma ala mais conservadora. Pedro tinha um grande carinho por Paulo. Uma amizade que cresceu e sobreviveu ao tempo. Triste mesmo foi quando tivemos que comunicar a Pedro a morte do amigo. Uma lágrima teimosamente insistiu em correr pelo rosto triste de Pedro. Com a lágrima, o comentário sincero: “Um grande homem partiu para a páscoa definitiva, no encontro com o Deus de Jesus”. Chorava Pedro e chorávamos nós a sua volta. O amigo sentiu a perda do outro, mesmo confiante na possibilidade real da Ressurreição, junto a “Testemunha fiel”.

Tive o privilegio de trabalhar na igreja comanda por Dom Paulo. Ainda padre recém ordenado, dediquei parte de meu trabalho pastoral na Zona Leste de São Paulo. Especificamente na Região Episcopal de São Miguel Paulista, sob o comando de Dom Angélico Sândalo Bernardino. À frente de uma das maiores arquidioceses do mundo, Dom Paulo Evaristo Arns era o cardeal que comandava as várias Regiões Episcopais. Era um colegiado de bispos, numa sintonia fina de uma igreja que havia feito também a sua clara opção pelos mais pobres. Igreja que muito me ajudou a estar do lado de cá.

Da Zona Leste, saí para encontrar com Pedro e sua Prelazia de São Felix do Araguaia. Não encontrei dificuldade alguma em também me identificar com esta outra igreja. Não mais uma igreja de um grande centro urbano, mas a igreja que se instalou no meio dos pobres, ribeirinhos, indígenas e peões do sertão de Mato Grosso. Igreja esta que se encaixa perfeitamente nesta frase dita pelo Papa Francisco: “O que o Evangelho nos pede é ser povo de Deus, não elite de Deus”.

Paulo e Pedro, dois ícones da história da Igreja no Brasil. Tive o privilegio de trabalhar com os dois. Não me canso de agradecer a Deus por poder desfrutar deste privilegio. Ambos nos deixaram um grande legado. Dom Paulo, o profeta da esperança. De esperança em esperança, como costumava dizer. Pedro, um profeta em meio ao povo. Não porque tivesse escolhido ser profeta em vida, mas a sua abertura ao Espírito e o contexto sócio-político-econômico, a que estava inserido, e a sua atenção em ouvir os clamores do povo, o fez um ferrenho defensor das causas dos pequenos irredutivelmente. Viva Paulo! Viva Pedro! Presentes em nossa caminhada!