A solidão é fera

Iniciei o meu sábado (19), tendo comigo a presença do cantor, compositor, instrumentista pernambucano Alceu Valença. Sua canção “Solidão” insistia em fazer da minha memória na manhã deste dia. Tudo porque, neste contexto de pandemia, somos provocados a vivenciar, mesmo que a contragosto, um estado de espírito de busca da solidão. A solidão, se não trabalhada, pode se transformar numa fera terrível, que dilacera o nosso coração, o nosso interior. Assim Alceu inicia a sua canção: ”A solidão é fera, a solidão devora É amiga das horas, prima-irmã do tempo. E faz nossos relógios caminharem lentos. Causando um descompasso no meu coração”. 

Com o distanciamento social, proposto para o enfrentamento da pandemia, somos convidados a mergulhar no seio das nossas famílias. Todavia, se o distanciamento se faz necessário, como forma de evitar o contato com o vírus, não podemos nos esquecer de que não devemos nos isolar de forma egoísta, fugindo do convívio das pessoas, sobretudo daquelas que nos são mais próximas, e que constituem a nossa família.

Estou vivendo nestes dias a solidão intencional. Aquela que é buscada como atitude desejada. Não como uma fuga da realidade, mas como um momento especial da minha vida em que tenho aproveitado para fazer uma viagem ao meu interior. Oportunidade que encontrei para um refúgio, muito comum na vida monástica, que abre mão da excitação, do barulho, da agitação febril, da exterioridade e da multidão, que, de certa maneira, ameaçam a interioridade das pessoas. Trata-se do encontro com o silêncio interior, como forma de encontrar-me comigo mesmo, neste emaranhado que se transformou as nossas vidas nestes últimos tempos.

Atitude nada fácil de ser vivida. As pessoas como que, desacostumaram a encontrar-se consigo mesmas. Para algumas delas, esta atitude gera angustias profundas. A necessidade do barulho permanentemente faz com que as pessoas não encontrem tempo para este encontro consiga mesmas. Neste sentido, estamos sempre procurando algo que quebre o silencio. Este silêncio incomoda por demais. Não conseguimos conviver num local em que o silêncio predomina. O Papa João Paulo II, até disse certa vez: “O grande problema da humanidade moderna é que as pessoas perderam a capacidade de fazer silêncio para ouvir a sua voz interior”. E quando não ouvimos esta voz interior, dificilmente escutamos a Deus que ali nos fala a cada um.

A verdade é que as pessoas estão cansadas com a vida que se descortina a partir do distanciamento social. Elas não aguentam mais ficar cada um na sua casa, se preservando da ação do vírus invisível. Talvez por isso, muitas destas, desafiam o poder de fogo do vírus, saindo de suas casas e promovendo as aglomerações rotineiras. Certo é que há também muita irresponsabilidade por aí afora, com as pessoas se expondo sem nenhuma necessidade para tal. Colocam em risco as suas vidas e, principalmente, a dos idosos que deixaram em suas casas.

Aglomeração mais responsável fez os “comunistas” do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). No momento em que ora aqui escrevo, eles estão distribuindo cestas de alimentos, na periferia da cidade de Paiçandu, noroeste do Paraná, como parte de uma campanha estadual intitulada “Natal da Reforma Agrária Popular”. São os “invasores de terra”, fazendo a sua parte, com a partilha de alimentos, provenientes do trabalho de famílias assentadas e acampadas em 13 municípios da região noroeste do estado.

Precisamos fazer cada um a sua parte neste contexto que estamos vivendo. Não dá mais para vivermos isoladamente. A solidão quando buscada, pode nos remeter a uma vida de maior compromisso com os demais. Quando me encontro comigo mesmo, vejo que não estou sozinho, mas faço parte de um todo. Preciso do outro para que eu possa ser mais eu. Cada um fazendo a sua parte para o todo. Não façamos das nossas vidas aquilo que uma liderança indígena me alertou: “Vocês falam tanto do cuidado com a Casa Comum, mas vocês não cuidam nem das suas casas. Vocês vão cuidar da Casa Comum como cuidam das suas casas?” Tive que ouvir calado