A força da esperança

Quinta-feira, último dia do ano. Hoje acordei inspirado e quis rezar, não a liturgia do dia, mas fiz uso de um dos salmos que me diz muito. Num dos versículos dele, o salmista assim se expressa: “Esteja sobre nós o teu amor, SENHOR, como está em ti a nossa esperança”. (Sl 33, 22) Nada melhor do que vivenciar o último dia de um ano cheio de tormentas, invocando a presença de Deus, entregando-nos em suas mãos para que ELE nos inunde de esperança.

Neste clima também, irmanei-me a São Francisco de Assis, através de uma de suas obras, composta em 1225. Justamente ele que, no final de sua vida, doente e quase cego, compôs esta belíssima canção, pois ansiava que o mundo inteiro vivesse num estado de exaltação e louvor a Deus. No Cântico das Criaturas, Francisco expressa toda a sua intimidade com Deus. Cântico que Zé Vicente, trouxe para os nossos dias, traduzindo assim o início dele: “Onipotente e bom Senhor, a ti a honra, glória e louvor: Todas as bênçãos de ti nos vêm, e todo o povo te diz: amem! Um convite à oração.

No ano que ora iniciaremos deverá ser o ano da esperança. Não de uma esperança qualquer, vazia e ingênua. Mas uma esperança que nos faça olhar para o futuro, com os pés fincados no chão do presente, mas sem se esquecer do passado. A força da esperança nos advém de ações concretas, fundamentadas na construção de uma nova realidade, uma nova sociedade em que saibamos superar as contradições, de um mundo desigual. Esperança indignada, frente aos desacertos com o ser humano, possibilitando que muitos deles vivessem à margem da vida, no calvário da morte.

Somos provocados a entrar para o novo ano fazendo novas todas as coisas. Não como aquela situação em que uma liderança indígena me disse esta semana: “Vocês falam tanto de ano novo, mas continuam fazendo as mesmas coisas erradas todos os anos. Vocês não pensam na natureza, nos animais e nas outras pessoas que estão a volta de vocês, mas somente em vocês mesmos. Se vocês pensassem mais fora da realidade de vocês, aí sim, eu acreditaria neste ano novo de vocês”. Não sei por que, mas me lembrei de uma célebre frase dita por Albert Einstein: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Toda vez que chegamos ao último dia do ano, ouvimos exaustivamente uma das canções que se tornou como um hino para muitas pessoas, nestas últimas décadas. O grupo musical (The Fevers) lançou a canção “Marcas Do Que Se Foi”, uma composição de Paulo Sérgio Valle. De lá para cá, se transformou numa música obrigatória, como forma de encerrarmos o ano velho e iniciar o próximo. “Este ano quero paz no meu coração. Quem quiser ter um amigo. Que me dê a mão”. Todavia, contrariando a canção, penso que não desejamos somente a paz para o novo ano que vai chegar. Queremos a paz sim, mas junto dela, queremos o discernimento, a liberdade, o comprometimento, a sensatez, a indignação, a ternura, a compaixão, a solidariedade, o esperançamento e o espírito de luta por um mundo melhor.

Um ano de superação em todos os sentidos. Oportunidade de olhar para frente e construir o novo. O Brasil novo, passado a limpo. Um Brasil em que as muitas vidas tiradas do meio de nós, seja o paradigma para lutarmos, com todas as forças, em favor da vida e não por uma política necrófila que não somente gera a morte, mas não dá as condições mínimas para as pessoas viverem com dignidade. Quando olhamos e vemos que quase 40% da população brasileira, aprova irresponsavelmente a política nefasta de morte promovida por um desgoverno insano e genocida, algo está muito errado entre nós. Não podemos entrar para o ano novo e continuar aceitando este tipo de coisa, indiferentes. Basta! Chega!

Da força da esperança, nasce a paz. Queremos a paz! Lutaremos pela paz duradoura. Não a paz dos homens que a querem preparando-se para a guerra, com suas armas letais. Queremos a paz da inquietude que não nos deixa acomodados, cada qual no seu cantinho, indiferentes ao sofrimento de quem está ao seu lado. Queremos a paz inquieta, que Pedro soube muito bem assim expressar em um de seus poemas: “Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta, que não nos deixa em PAZ!” Lembrando que para ele, a esperança é, antes de tudo um ato de rebeldia. Que sejamos então estes e estas rebeldes da esperança triunfante! Esperançando sempre!