Iniciei o meu sábado (02) de forma muito triste. Tristeza parece não ter mais fim. A notícia da páscoa do padre Ticão nos surpreendeu a todos que o conhecíamos. Partiu para a casa do Pai um lutador das grandes causas. Um profeta deixou o nosso mundo mais triste neste início de ano. Fico daqui imaginando o quanto não devem estar tristes as pessoas da Paróquia de São Francisco de Assis, em Ermelindo Matarazzo, Zona Leste de São Paulo. Uma pessoa muito querida nestes quase 40 asnos à frente daquela comunidade, com espírito de luta incansável pelos pobres.
Tive a grata felicidade e privilégio de iniciar os meus primeiros anos no sacerdócio ao lado de Ticão, no final da década de 80. Um grande amigo das confidencias mil. Formávamos um colegiado de padres na/da luta, tendo como pastor, Dom Angélico Sândalo Bernardino, que comandava a Região Episcopal de São Miguel Paulista. Ticão sempre fiel ao trabalho com o povo sofrido, numa coerência e fidelidade que nos inspirava a todos. Nas nossas reuniões de planejamento pastoral, Dom Angélico sempre se referia a ele como o “trator de Deus”. Não porque atropelava tudo, mas porque fazia acontecer as ações no Movimento Popular. Aprendi muito com ele no Movimento de Moradia.
Quando fui comunicar ao Padre Ticão, a minha decisão de vir trabalhar na Prelazia de São Félix do Araguaia, ele simplesmente me disse: “Só vou te perdoar porque você está indo trabalhar com Dom Pedro Casaldáliga”. “Eu também gostaria de estar no seu lugar, mas eu não teria tanta coragem como você tem”, concluiu assim a nossa conversa. Sempre que ia à São Paulo para o Curso de Verão, nos encontrávamos e ele sempre queria saber de Pedro, a quem ele muito admirava e se espelhava.
“Se calarem a voz dos profetas. As pedras falarão”. É assim que inicia uma das canções que muito cantamos nas nossas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), por este Brasil afora. A missão do profeta é falar. Denunciar as injustiças onde quer que elas aconteçam. O profeta, antes de tudo, é aquele que, por intermédio dele, Deus fala ao seu povo. Esta é a missão da Igreja no exercício do profetismo. “A Igreja tem necessidade de que todos nós sejamos profetas, isto é, ‘homens e mulheres de esperança’, sempre ‘diretos’ e nunca ‘tíbios’, capazes de dizer ao povo ‘palavras fortes quando é preciso’ e de chorar juntos se for necessário”. É assim que o Papa Francisco nos fala através de um dos seus escritos.
“Eu sou a voz que grita no deserto: Aplainai o caminho do Senhor” (Jo 1, 23) É assim que João Batista define a si mesmo, quando perguntado quem era ele afinal. Os verdadeiros profetas nem gostam de serem assim chamados. João Batista é a testemunha, cuja missão principal é preparar o caminho para as pessoas chegarem até Jesus. A testemunha fiel que não quer o lugar da pessoa que ela está testemunhando. Nosso bispo Pedro ficava inquieto quando alguém se referia a ele como um profeta dos nossos tempos. Para estes, costumava dizer que procurava “anunciar e testemunhar a busca das verdades do Reino de Deus, vivenciado por Jesus Cristo e pregado a toda humanidade com alegria, humildade, generosidade e acolhida do outro e de sua cultura.”
No exercício da sua missão profética, os profetas sempre foram acusados de serem muito políticos. Com Pedro não era diferente. Lembro-me de quando, numa de suas entrevistas, o repórter lhe perguntou: “O senhor é considerado um bispo muito político, não é Dom Pedro”? Ao que ele prontamente respondeu: “Existe a política de uns e a política de outros. A política dos de lá e a política dos de cá. Eu prefiro ficar do lado de cá’. Confesso que o repórter ficou meio que perdido, mas eu captei muito bem o que Pedro estava dizendo. Ali percebi que estava diante de um profeta com objetivos muito claros de sua missão como homem de Deus.
“ser o que se é, falar o que se crê, crer no que se prega, viver o que se proclama até as últimas consequências!” É assim que Pedro definia a sua missão à frente da Igreja da Prelazia de São Félix do Araguaia. É assim que também vivia o padre Ticão, no exercício de seu Ministério Sacerdotal. Pedro nos faz muita falta com testemunho vivo de sua missão profética, da mesma forma que Ticão deixará um legado que precisará ser levado adiante, principalmente nestes tempos dos falsos Messias e profetas, disseminando as suas inverdades entre nós. Padre Ticão, presente na caminhada!