Invisíveis Sociais

Mais uma sexta-feira chegou (08). Ela nos trás um marco triste para a história do Brasil. Dia em que registramos o quantitativo de 200 mil mortes de brasileiros. Vidas que poderiam ter sido salvas/preservadas se tivéssemos governo. Histórias de vidas e sonhos interrompidas como a da jovem Anne Ivanilde Cavalcante Fernandes, de Santa Cruz do Xingu, de apenas 17 anos de idade. O Brasil é o 2º país do mundo com maior número de mortes. Diante deste contexto, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), emitiu, dia 6, uma nota que tem por título “Unidos e Responsáveis Rumo ao Novo que Desejamos”.

Uma semana para ser lembrada por muitos anos. Os historiadores terão uma responsabilidade muito grande de repassar às futuras gerações, o que ocorreu no Brasil, com esta triste marca e a irresponsabilidade daqueles que deveriam cuidar para que tantas vidas não fossem ceifadas do meio de nós. Entretanto, mesmo diante deste cenário dantesco, o Núncio Apostólico da Santa Sé, Dom Giambattista Diquattro, visitou o presidente Jair Bolsonaro e, provavelmente, não deve ter sequer mencionado esta tragédia que estamos vivendo. Mas também, a referida autoridade eclesiástica, mais parece um personagem saído de dentro da Idade Média, dado o seu figurino medieval. Como alguém pronto para o desfile de uma das Escolas de Samba da cidade do Rio de Janeiro, diria um amigo meu.

Diante do cenário burlesco acima, impossível não pensar numa das frases ditas por certo bispo: “Deus nos livre de leigos com batinas no espírito / Deus nos livre de padres sem Espírito Santo / Deus nos livre de espíritos sem a carne da vida”. (Pedro Casaldáliga) Uma indumentária que mais assusta do que se aproxima da realidade do povo, numa demonstração clara da preocupação com a “sagrada instituição”. Uma vestimenta arcaica, que foi repensada a partir do Concílio Vaticano II. Talvez alguém possa até afirmar que, mais importante que a embalagem, é o conteúdo que vai dentro desta. Todavia, o que mais entristece é saber que tais vestimentas podem demonstrar que tipo de modelo de Igreja estas pessoas vivem.

Fato é que vivemos dias difíceis. A realidade sócio-econômica não é das melhores. O povo não aguenta mais tanto descaso e a supressão dos direitos básicos para a manutenção da vida. Frente a essa radiografia de horror um segmento social (in)visível, vive as agruras como despojamento material, impossibilidade de acesso a direitos básicos. São os (in)visíveis sociais. Aquelas mesmas pessoas que o Pós-doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal) Nilson Tadeu Reis Campos Silva define como “…grupos vulneráveis de pessoas que, não obstante terem reconhecido seu status de cidadania, são fragilizados na proteção de seus direitos e, assim, sofrem constantes violações de sua dignidade: são, por assim dizer, tidos como invisíveis para a sociedade, tão baixa é a densidade efetiva dessa tutela”.

No tempo de Jesus também havia este segmento social humano, fruto de uma sociedade dividida em classes sociais distintas. ELE dá especial atenção a estes últimos (in)visíveis, se colocando no lugar deles, os chamando à vida. Jesus mostrou claramente a que veio e de que lado estava. É o caso, por exemplo, do “leproso” do Evangelho Lucano de hoje (Lc 5,12-16), em que Jesus cura o pobre homem, e o devolve à realidade da vida normal das pessoas. Jesus tão somente lhe diz: “Eu quero, fica purificado” (Lc 5, 13). Lembrando que ser leproso era sinônimo de uma pessoa marginalizada da vida social. Ao curá-lo, o Nazareno o reintegra à sociedade para que possa viver na comunidade com os seus.

Na época de Jesus a lepra era uma doença terrível e incurável. Desde o momento em que era constada a doença, o leproso era privado do convívio das demais pessoas e ficava em um lugar isolado. Era considerado um impuro. Ao curar aquele homem de sua terrível doença, Jesus o pede que vá ao Templo. Não como forma de legitimá-lo, mas para mostrar para as lideranças religiosas, que comandava aquele espaço “sagrado”, que o verdadeiro cumprimento da Lei não é simplesmente declarar quem é puro ou impuro, mas fazer com que estas pessoas possam se purificar e voltar a viver a sua vida com dignidade.

Os bispos são enfáticos em sua nota. Foram muito felizes em ser lugar de fala das famílias e da dor das pessoas, destacando a importância do cuidado de si próprio e dos outros, e do respeito “ao distanciamento social e atenção aos protocolos sanitários indicados pelas autoridades em saúde”, . Tudo que não está acontecendo em boa parte da população, a começar dos próprios governantes, demonstrando uma terrível indiferença e negacionismo de alguns, frente aos conhecimentos científicos, preconizados pela comunidade cientifica internacional. Como consolo, resta-nos aquilo que João nos diz no seu texto da liturgia de hoje: “Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho não tem a vida”. (1 Jo 5, 12)