Hoje não foi um bom começo de dia, apesar dos pássaros fazerem uma sinfonia maravilhosa nesta manhã em meu quintal, brindando a chuvinha mansa que caiu durante a madrugada. Iniciei a minha quinta-feira (14), ainda angustiado com tudo o que está acontecendo a nossa volta. É muita notícia triste: fechamento de fábricas e agencias bancárias; fim do auxilio emergencial para os mais necessitados; falta de leitos nas UTIs; aumento de casos de contaminação e mortes; falta de um cronograma vacinal para toda a população…
É preciso ser muito forte para não querer desanimar. Enquanto vou aqui matutando, me vem à mente uma canção que muito cantamos em nossas comunidades. No cântico “Nossa Alegria”, há um verso que diz exatamente assim: “Vendo no mundo tanta coisa errada a gente pensa em desanimar. Mas quem tem fé sabe que está com Cristo tem esperança e força pra lutar. É exatamente desta forma que estou me sentindo na manhã deste dia. É preciso muita fé em Jesus para não arriar com as cargas.
Enquanto contemplava o burburinho dos pássaros, vem-me a mente também uma das falas de Jesus, quando este retoma o profeta Isaías para dizer aos seus, qual era realmente a sua Missão entre nós. Quem nos apresenta este discurso é a Comunidade Lucana, que em sua narrativa, retrata fielmente aquilo que fora dito pelo profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres”. (Lc 4, 18) Ou seja, Jesus é enviado para anunciar/proclamar a Boa Notícia (Evangelho) da libertação, cujos destinatários são os pobres.
Jesus é aquele que vem trazer a Boa Nova. Boa Nova, Boa Notícia, Evangelho é tudo uma coisa só. Este é o programa que vai perpassar toda a vida pública de Jesus. Toda a sua atividade consiste em anunciar que o Messias iria realizar a missão libertadora dos pobres e oprimidos. A começar na Galileia, local distante do centro econômico, político e religioso de seu país. A esperança da salvação se inicia justamente numa região inóspita, da qual nada se esperava. Aquilo de que fala o profeta Isaías, Jesus assume como seu e toma para si mesmo, incorporando ali naquele contexto histórico em que se encontrava. ELE é a Luz para os pobres que andavam nas trevas. “O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; e uma luz brilhou para os que viviam na região escura da morte.” (Mt 4, 16)
O ano de 2021 tem um sabor especial para nossa Igreja Latino Americana. Neste ano, estaremos comemorando 50 anos de existência da Teologia da Libertação entre nós. Teologia esta, com o seu jeito diferente de se fazer teologia, a partir dos condenados da Terra e da periferia do mundo, como nos diz um de seus expoentes, o teólogo Leonardo Boff. Como membro atuante na caminhada desta Igreja, nosso bispo Pedro afirmava categoricamente: “Ou a Teologia é da Libertação ou então não é Teologia”. Isto porque, segundo ele, “A Teologia da Libertação não tem Marx como padrinho, mas Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Sem dúvida que, com a Teologia da Libertação, a Boa Nova do Reino ganhou contornos diferentes na nossa caminhada de Igreja. Tudo por causa da realização da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, acontecida na cidade de Medellín (Colômbia), entre os dias 24 de agosto e 06 de setembro de 1968. Esta conferência possibilitou que a Igreja da América Latina, assumisse uma posição libertadora, frente à opressão no continente. Com a ajuda da Teologia da libertação, houve uma maior visibilidade às causas dos mais pobres, mostrando que, antes deles serem pobres, eram oprimidos. Assim, a Igreja Latino-Americana, procurando ser fiel à Boa Nova de Jesus, desencadeia todo um processo de libertação. Libertar o oprimido da sua opressão. “Isso não é politizar a fé, mas praticar uma evangelização que inclui também o político”. (L. Boff)
A Teologia da Libertação tem a sua viabilidade ainda hoje entre nós. É a forma mais clara e objetiva de se fazer o anúncio da Boa Nova de Jesus aos pobres. Ela está presente, pois a libertação dos pobres precisa ainda acontecer, mais do que nunca nos dias de hoje. Neste sentido, precisamos retomar o que foi Medellín para a nossa Igreja. Como Pedro mesmo dizia: “Medellín foi sem dúvida o Vaticano II da América Latina. Mais avançado que o Vaticano II. Porque no Vaticano II, a opção pelos pobres foi de uma minoria, quase clandestina. Medellín fez a opção pelos pobres. Medellín fez a opção pelas comunidades. Fez a opção pela militância a partir da fé. Medellín é o nosso Pentecostes”. (Pedro Casaldáliga)