Quando a cruz não é derrota

 

Mais um sábado (16) que prenuncia a chegada do final de semana. Ficamos todos esperando pelo final de semana para, enfim relaxar. Conviver mais próximo com a família. Comer uma comida diferente. Ligar para os amigos e parentes distantes. Mas este não é um sábado qualquer. Seguimos ainda impactados com aquilo ora está acontecendo em Manaus. Os telejornais todos trouxeram-nos as mais novas notícias a respeito da situação vivenciada por aquelas pessoas que estão no coração da Amazônia. Paradoxalmente, em meio a Amazônia e as pessoas estão morrendo por falta de oxigênio para respirar.

Por outro lado, o mandatário maior da República, irresponsavelmente segue com as suas piadinhas de mau gosto, num completo descaso e falta de empatia para com a vida daqueles que estão sofrendo. Enquanto isso, os parlamentares estão discutindo se voltam ou não do recesso parlamentar, com as suas discussões enfadonhas de quem será o próximo presidente que ocupará o cargo nas duas casas. Nestas horas não há como não nos lembrarmos da canção de Chico Buarque, “Cálice”, principalmente deste verso: “Esse silêncio todo me atordoa. Atordoado eu permaneço atento. Na arquibancada pra a qualquer momento. Ver emergir o monstro da lagoa”. Implodir tudo o que há por ali.

A informação que mais me chocou na noite anterior, além das pessoas contaminadas pelo vírus, que não tem balão de oxigênio para respirar, nos hospitais de Manaus, foi a das crianças neonatais (prematuras) que estão ameaçadas de morte porque, nas UTIs infantis, não há também oxigênio para elas. Coloquemo-nos no lugar das mães destas crianças, vendo seus pequenos, vivendo este calvário dantesco. Os bebês internados vão ser transferidos para São Paulo, Paraná e Minas Gerais, felizmente. Quando se pensa que já vimos de tudo, aparece algo novo.

Vivemos um cenário de crucificação. Os pobres estão sendo crucificados mais uma vez. Como aceitar esta cruz tão pesada sobre os ombros dos pequenos? Como ficar indiferentes frente a dor alheia daqueles e daquelas que estão sendo marcados para morrer? Vivemos a terrível crônica da morte anunciada. “Mas e daí?” “O que eu tenho a ver com isso?” “Eu não sou coveiro.” Esta é a crônica macabra de um genocida que veio estar no meio de nós.

Paralelo a tal situação, nos deparamos com a simbologia da cruz de Jesus. Aliás, este é um dos sinais marcantes do cristianismo. Para se chegar a Glória maior da Ressurreição, precisamos passar pela experiência da Cruz. Todavia, engana-se quem pensa que a cruz estava na vida de Jesus como se fosse uma predestinação. Ou seja, ELE nasceu para ser pregado na cruz. Não! Definitivamente, não! Se aceitarmos tal prerrogativa, o seu PAI não seria um Pai de verdade, mas um carrasco, que cria o seu Filho para ser pendurado numa cruz. A cruz entra na vida de Jesus como conseqüência da sua fidelidade ao Projeto do Pai. Sua fidelidade à causa dos pequenos, dos excluídos. Dos marginalizados.

Assim somos questionados e devemos nos perguntar, que significado tem para nós, hoje, a morte de Jesus na Cruz? Esta pergunta não é de fácil resposta. Na verdade, não é fácil entrar na dinâmica da Cruz. Mas, por outro lado, é impossível compreender a mensagem de Jesus sem compreender a sua Cruz. Ela é expressão de uma vida doada por inteiro. Por este motivo, converteu-se no sinal chave de nosso seguimento à ELE.

Identificar-se com a cruz de Jesus, é identificar-se com os crucificados da história. Neste sentido, a cruz não é um fracasso, uma derrota, mas a vitória daqueles que foram capazes de doar as suas vidas pelos esquecidos. Ela só tem sentido quando é consequência de uma opção autêntica de vida em favor da vida. Abraçamos a cruz de Jesus quando nos dedicamos a levar adiante uma causa justa, por defender as pessoas que são vítimas das estruturas sociais, políticas e econômicas injustas, por assumir a radicalidade na vivência do amor, lutando contra toda forma de opressão, de ódio, preconceito, intolerância. Em outras palavras, a cruz salva, quando aponta para a vida. A cruz de Jesus é redentora, pois liberta de todo cativeiro. “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga. (Lc 9 23)
Seguir a Jesus não é algo fácil. Identificar com a mesma Cruz de Jesus é identificar-se com todos aqueles e aquelas que estão sendo crucificados da mesma forma, pelos crucificadores de hoje. E, como dizia Pedro, precisamos descer os crucificados da cruz. Se assim o fizermos, seremos perseguidos, como Jesus também foi. Precisamos estar preparados e, com Santo Oscar Romero, estejamos cientes de que: “Uma igreja que não sofre perseguição, mas que desfruta privilégios e o apoio de coisas da terra – Tenham Medo! – não é a verdadeira igreja de Jesus Cristo.”