Festa no palácio

Dia 16 de fevereiro. Se o nosso bispo vermelho ainda estivesse fisicamente entre nós, estaria completando hoje, 93 anos muito bem vividos pela causa do Reino. Hoje teríamos festa no “palácio de Pedro”. Se bem que ele não era muito chegado às pompas. Apenas se permitia um bolinho muito simples, para não deixar passar em branco. A casa se enchia de pessoas que vinham dos mais variados lugares para cumprimentá-lo. Gente muito simples é verdade. E ele ali, também na sua simplicidade, acolhia a todos com muita atenção e já queria saber como estava a labuta de cada um.

Pedro, o homem de Deus! Impossível não olhar para ele e sentir a presença muito viva de Deus em si. O Divino transbordava em si e irradiava a tantos quantos se achegavam a ele. A testemunha fiel do Ressuscitado. Ao menor sinal de alguém que vinha até ele, deixava tudo o que estava fazendo, para acolher aquela pessoa. Sabia acolher como ninguém. Quem olhava para ele, nunca imaginava que aquele homem tão simples e franzino, fosse um bispo tão querido pelos pequenos e ao mesmo tempo odiado pelos grandes. Pergunta se ele se incomodava com o que pensava e sentia dele estes últimos.

Nos últimos anos, sofreu horrores por causa do Mal de Parkinson. Mas mesmo assim, sabia conviver com a doença de forma muito tranquila, a quem ele carinhosamente chamava de o “irmão Parkinson”, nos fazendo lembrar São Francisco de Assis, que se referia à morte como “a irmã morte”. E ainda completava com muito bom humor: “quem manda em mim é o doutor Parkinson”. Também se referia a si como o “bispo preguiçoso”, pelo fato de ficar ali sentado, sendo cuidado pelos outros. O humor nunca deixou de fazer parte da sua vida.

Quantas vezes cheguei à sua casa e o vi lavando uma de suas três camisas. Era exatamente este número que ele se permitia possuir. Por mais que a Tia Irene dissesse a ele que poderia ao menos ter mais algumas delas, para não ter que lavar com tanta frequência. Mas ele continuava com a sua vidinha frugal. Era assim que Pedro sabia ser como, seguidor de Jesus de Nazaré, exalando profetismo no seu testemunho cristão. Diferentemente de muitos outros bispos que conhecemos por aí. Conheci um que, assim que chegávamos ao seu palácio episcopal, escondido atrás de sua batina preta, lá vinha ele empurrando a sua mão no sentido da nossa boca para que a beijássemos. Sentia uma necessidade enorme de manter este gesto, diante das pessoas que vinham até este bispo.

Pedro era diferente. Único. Um homem evangelicamente pobre, com os pobres e para os pobres. Não arrogava para si a alcunha do título eclesiástico de “Dom”. As pessoas o chamavam apenas de Pedro, ou bispo Pedro. Sempre gostava de ver o seu desempenho nas seguidas entrevistas que comumente concedia. Vinham muitos repórteres à São Felix, para entrevistá-lo. Numa destas, de tanto o repórter insistir em chamá-lo de “Dom Pedro”, lá pelas tantas, Pedro vira-se para ele e pergunta: “qual dos dois, o primeiro ou o segundo?”

Fico daqui imaginando o que diria Pedro acerca da crítica que vem sendo feita à CNBB e ao CONIC, por ocasião da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021, que nem ainda começou. Numa destas críticas (vídeo), a pessoa até se referiu maldosamente ao nosso bispo, dizendo que “ainda bem que o bispo vermelho do Araguaia não está mais por aqui”. Certamente Pedro iria dizer que tudo isto está acontecendo, por causa das forças reacionárias que vieram a luz do dia, com a ascensão das forças diabólicas do bolsonarismo entre nós. Este conservadorismo e a rejeição à Igreja dos pobres estavam como que adormecidos, dentro de cada uma destas pessoas. Assim que vem a tona um governo reacionário e retrogrado, espezinhando os mais pobres e vulneráveis, as pessoas tiveram a oportunidade de demonstrar, aquilo que elas realmente são na sua essência. Portanto, nada de novo sob o sol. Cairia bem para estes críticos contumazes, o que disse Jesus aos seus discípulos no Evangelho de hoje: “Vocês têm olhos e não vêem, têm ouvidos e não ouvem? (Mc 8, 18)

A visão de mundo, a visão da realidade em Pedro era crível. Sabia ler a realidade de sofrimento dos pobres à luz do Evangelho. A constatação feita na Conferencia Episcopal de Puebla (1979), de que “Há ricos cada vez mais ricos, à custa de pobres cada vez mais pobres”, tornou-se um lema para a sua vida de Igreja entre nós. Foi também com ele que adotei a causa indígena como minha também. Nunca me esqueço das suas palavras, ditas a mim, antes de entrar pela primeira vez numa aldeia indígena. “Você não vai estar lá para catequizar os indígenas, mas para ‘desevangelizar’ e ‘descolonizar’. Quando muito, ser catequizado por eles, através da cultura deles”. Viva Pedro! Viva a Igreja dos pobres! Viva a profecia, a resistência e a teimosia! Viva a Prelazia! Pedro vive através desta canção que ele tanto gostava.