Converter/subverter é preciso

Já estamos na quarta-feira (17) de cinzas. Iniciamos hoje o Tempo da Quaresma. Um tempo muito especial para a caminhada de nossa igreja, pois abrimos assim, o período quaresmal. Oportunidade para rever a nossa caminhada, à luz do Evangelho, numa tentativa de nos convertermos. “Convertei-vos e crede no Evangelho”, esta é uma das frases repetidas pelo celebrante, ao colocar as cinzas sobre a cabeça dos participantes das celebrações nas comunidades. Tal gesto recorda-nos que: “és pó e ao pó voltarás” (Gn 3,19) Convertei-vos e VIVEI o Evangelho, diria eu. Crer qualquer um pode crer, agora viver, é uma outra história.

Neste ano, a Igreja Católica Apostólica Romana do Brasil, através da CNBB e do CONIC, traz para nós mais uma Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e o lema: “Cristo é a nossa paz. Do que era dividido fez uma unidade”, (Ef 2,14a). Esta campanha será o objeto de reflexão ao longo dos quarenta dias que antecedem a Páscoa.Tem sido assim desde 1964, quando foi proposta a primeira Campanha da Fraternidade a nível nacional.

A quaresma sempre nos remete aos quarenta anos que Moisés passou deserto adentro, antes de chegar à Terra Prometida. Alguns exegetas afirmam que esta foi uma das estratégias escolhidas por Moisés, pois entre os Hebreus, haviam àqueles que estavam tão acomodados com a escravidão no Egito, que dificilmente mudariam a sua mentalidade, para viver uma vida nova (diferente) na Palestina. Desta forma, ao entrar pelo deserto, esta geração morreria e somente aqueles que se abrissem ao novo, iriam experimentar a nova vida na futura terra. Com esta estratégia Moisés sacrificou o seu próprio sonho de chegar à Terra Prometida, uma vez que não viveu o suficiente para chegar lá.

Quaresma é tempo de reconciliação e de conversão. “Reconciliai-vos com Deus… Eis o tempo favorável, o dia da salvação.” (2 Cor 5, 20; 6,2) É tempo de proclamarmos que Deus é misericórdia e está sempre pronto a nos perdoar. Tempo em que somos interpelados a mudar o nosso jeito de ser/viver e de pensar, através de um processo de conversão. Conversão (Metanoia) num compromisso de deixar-nos moldar pela ação do Espírito Santo em nós, na busca por uma conversão pessoal e também comunitária. Mais do que uma mudança de mentalidade, é uma transformação radical de vida. Um “nascer de novo”, sob uma nova perspectiva. Uma transformação profunda da pessoa, quando ela, através de sua consciência do mundo, abraça as causas de Jesus.

Por este motivo a CNBB nos apresenta a cada ano a Campanha da Fraternidade. Sempre com uma temática voltada para o social, pois esta é a forma de engajarmos com a nossa fé militante nas lutas do povo, na tentativa de superação das contradições de nossa sociedade. Viver a fé é nos comprometermos com os nossos irmãos e irmãs na construção de outra sociedade possível. Esta que ai está não contempla o sonho de Deus para os seus, mas é geradora de morte, sobretudo dos pequenos, os menos favorecidos. Evidentemente que tudo isso gera angústia, discórdia e inconformidade, pois entre nós, há aqueles que não desejam mudar este tipo de sociedade. Está muito bom para eles do jeito que está. São exatamente aqueles que se beneficiam do acúmulo das riquezas, da concentração de renda. Basta saber que nestes tempos de pandemia o patrimônio dos super-ricos brasileiros cresceu cerca US$ 34 bilhões.

Converter-se é despertar o nosso espírito subversivo. Converter-se é subverter a ordem vigente. Isto não é comunismo, é Evangelho, diria Papa Francisco. É se colocar na mesma ótica de Jesus e fazer de nossa vida um seguimento das suas pegadas. Ao agir desta forma, alguns vão ficar incomodados. Não é atoa que esta Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) de 2021, tem gerado tanta discórdia. A CNBB, através de sua atitude profética, coloca o dedo numa das feridas abertas de nossa sociedade. Por causa da repercussão causada por aqueles que criticaram virulentamente, esta campanha tende a ser, uma das mais refletidas, pois despertou o interesse de muitos, inclusive daqueles que não professam a mesma fé que nós. Neste sentido, agradecemos imensamente aos críticos, que trataram de fazer a propaganda da Campanha da Fraternidade por nós. Que venha a Páscoa do Ressuscitado e nos traga força e resistência para continuarmos com o nosso espírito de teimosia de Jesus de Nazaré! E, como nos dizia o bispo Pedro: “Só vivendo a noite escura dos pobres, é possível viver o Dia de Deus. As estrelas só se veem de noite”. Ninguém solta a mão de ninguém!