O vírus da desumanização

Primeiro domingo da quaresma (21). Uma quaresma diferente de muitas que já tivemos em nossas vidas. Esta é a quaresma do acirramento da pandemia. Se neste período litúrgico somos conclamados a uma reflexão mais aprofundada do nosso ser cristão no mundo, a luz da Palavra de Deus, também é o tempo apropriado para rever a nossa conduta frente às outras pessoas que convivem conosco e que estão vivendo seu verdadeiro calvário.

Evidentemente que a pandemia tem nos assustado, sobretudo pela proliferação das pessoas infectadas, como também pelo alto índice de mortes de pessoas pobres e inocentes. Todavia, o que mais tem nos assustado é o acirramento do processo de desumanização que estamos vendo acontecer entre nós. As pessoas estão perdendo a essência do ser humano, sob a perspectiva do ser humanizado que somos como característica fundamental do ser enquanto ser. Alguns de nós fomos contaminados pelo vírus da desumanização e não fazemos questão alguma de ser diferentes disto.

O clássico exemplo que estamos vendo estes dias são as críticas infundadas sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) de 2021. O que está por trás destas críticas é o que mais nos assusta. Estes críticos estão confrontando, inclusive, os pontificados de Paulo VI (1963 a 1978); João Paulo II, que esteve à frente da Igreja de 1978 a 2005; Bento XVI (2005 a 2013) e por fim ao atual Papa Francisco. Todos eles, sempre manifestaram total apoio as Campanhas da Fraternidade desencadeadas pela Igreja Católica do Brasil. Todos eles fizeram questão de afirmar, que esta é uma das formas da igreja vivenciar a fé, mediante a um contexto concreto, através das temáticas que são suscitadas a cada ano.

Esta é também uma forma de desumanização, quando as pessoas de dentro da própria igreja, não querem enxergar a realidade que está latente ao seu lado. São os adoradores midiáticos do Deus que está nas alturas, distante da realidade humana. Para estes, a encarnação de Jesus nas Galileias do nosso tempo, nunca existiu para eles. Vivem uma fé desencarnada e desumanizada. O que mais importa para estes é a sua relação intimista com este Deus, sem olhar para os lados e contestar as contradições de uma sociedade pensada e arquitetada para uns poucos. Suas igrejas estão lotadas de bajuladores deste Deus idolátrico, de pessoas que não tem compromisso com nada e com ninguém, a não ser com o seu bem estar social.

O poeta mineiro de Itabira, Carlos Drummond de Andrade (1902-1978) num de seus escritos nos faz pensar. Assim diz ele: “A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.” São as nossas tentações cotidianas, quando não nos envolvemos de corpo e alma e nos tornamos omissos e indiferentes, frente às questões que dizem respeito a nossa caminhada neste mundo.

Cada um de nós não está livre das tentações ou já teve oportunidade de passar por elas em algum momento de sua vida. O tempo todo, somos desafiados a renovar as nossas opções, frente à experiência de fé, como Igreja seguidora de Jesus de Nazaré. Uma Igreja que alimenta o desafio de caminhar lado a lado com os mais pobres. E no dizer de nosso bispo Pedro, “A opção pelos pobres é uma opção sempre atual, pelo menos para um cristianismo que mereça este nome. Atual e essencial. Por dois motivos: porque é a opção do Deus de Jesus e porque é uma opção que afeta estruturalmente a vida da sociedade humana e a missão da Igreja”.

Estamos em meio à tempestade. Vivemos mais de incertezas do que de um amanhã vindouro. Mesmo neste contexto, como cristãos, somos provocados a fazer nossas as palavras de Oscar Wilde: “O homem pode acreditar no impossível, mas nunca pode acreditar no improvável. E não nos esqueçamos de que as tentações fazem parte das nossas vidas. Ninguém está livre delas. Também Jesus passou por elas. É o que vemos, por exemplo, no Evangelho da liturgia de hoje. (Mc 1,12-15) Assim como ELE, ao passar pelas nossas tentações, lembremo-nos de que são os conflitos que experimentamos durante toda a nossa vida. Assim, devemos enfrentar o representante das forças do mal que escravizam as pessoas. Se assim o fizermos, Deus mesmo nos sustentará nessa luta. ELE se entrega totalmente a nós. O Reino está próximo! Não é mais tempo de esperar. É hora de agir. Acreditar na Boa Nova do Evangelho é aceitar o que Jesus realiza e empenhar-se com ELE por um mundo mais humanizado. Humanizar é preciso!