Entre a teologia e a indignação

Quarta-feira (24) da primeira semana da quaresma. A vida segue o seu percurso mesmo diante de tantos percalços. A gente até pensa em desanimar diante de tantos sinais de contradição, mas aqui e ali, surge um resquício de Boa Nova que nos faz esperançar e não abandonar a luta. Sem nos esquecer jamais que é nas grandes tribulações e adversidades, que surgem as maiores oportunidades. Como diria o monge tibetano Dalai Lama: “É durante as fases de maior adversidade que surgem as grandes oportunidades de se fazer o bem a si mesmo e aos outros. Nos faz pensar.

Ainda repercute negativamente entre nós as duras críticas feitas a Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) de 2021. A cada dia surgem novos adeptos do contra. Entretanto, o que mais chama a nossa atenção, não é a crítica que se faz a feitura do texto em si, mas as tergiversações acerca de quem os ajudou a redigir. A pastora luterana Romi Bencke, representante do Conselho de Igrejas Cristãs do Brasil, CONIC, segue pagando a conta, uma vez que vêm sendo difamada nas redes sociais por grupos neoconservadores fanáticos católicos. Até de anti-Cristo já foi chamada.

Ao contrário do que andam falando, não são grupos radicais. São antes de tudo grupos de fanáticos fundamentalistas bíblicos que fazem uma hermenêutica descompromissada dos textos bíblicos, para justificar os seus posicionamentos contrários a qualquer tipo de transformação da realidade que está posta, já que esta satisfaz os interesses da classe social à qual pertencem. Se fossem de fato, grupos radicais estariam interessados e preocupados em fazer um retorno às raízes do cristianismo, para ali encontrar um Jesus extremamente comprometido com a realidade dos empobrecidos de seu tempo. E, como diz o bispo Dom Paulo Roberto Beloto, da diocese de Franca, “Deveriam primeiro criticar Jesus. Ele fez pior: não só recebeu pecadores como chamou alguns deles para fazer parte do seu grupo. Foi tomar refeição com eles.”

Aliás, se bem observarmos, Jesus começa o seu ministério justamente pela Galileia dos pagãos. Ou seja, depois da prisão de João Batista, ele deixa a Judeia – herança de Davi, de quem é o descendente, onde se encontra o centro do culto, Jerusalém e o seu templo, e insere-se na Galileia, onde se encontravam aqueles que nada valiam, os descartados. Através da ação de Jesus no meio deles, é Deus mesmo que intervém na realidade humana, justamente aonde não se esperava. Os “sem-direito” é que receberam esta visita. São eles, o objeto da sua preferência, definindo assim os encarregados da missão de Jesus de Nazaré.

Aqui não estamos falando de Teologia da Libertação, como os críticos estão mudando o foco da questão. Nestas horas, bom mesmo é ouvir o que dizia o nosso bispo Pedro: “Ou a teologia é da libertação ou então não é a teologia de Jesus de Nazaré. Teologia esta que “não tem Marx como padrinho, mas Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. Uma teologia encarnada na história humana, sendo instrumento de leitura e decifração dos planos de Deus para a libertação dos pequenos maltratados.

“A Teologia da Libertação surge como uma nova proposta de evangelização tendo como maior espaço de atuação a América Latina, por ter sofrido além do genocídio, um processo de colonização cruel e desumano. Sendo assim, essa nova evangelização elege os pobres como seu principal foco, já que: A realidade dos pobres é altamente conflitiva, pois eles são feitos pobres por mecanismos econômicos, relações sociais e discriminações que ofendem a justiça. A compreensão da sociedade, das Igrejas e da teologia a partir deles se apresenta, outrossim, conflitiva, pois permite ver a cumplicidade de todas as instâncias com sua opressão e também sua solidariedade com suas lutas por vida e liberdade. (Leonardo Boff)

Evidentemente que cada um de nós, precisa fazer a sua opção e mostrar pelos seus gestos e compromissos, de que lado está. Ou abraçamos a cruz do Ressuscitado e entramos na luta, ou ficamos do lado dos que sempre foram os vencedores. Neste sentido vale lembrar o que nos disse o grande antropólogo Darcy Ribeiro: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.” Eu também, sem medo de ser feliz!