Os sinais do Reino

Iniciei a minha terça-feira (02) em estado de graça. Mesmo os sinais de morte que existem entre nós, não foram capazes de demover-me da ideia de que há ainda muitos sinais do Reino no meio de nós. Em plena travessia destes momentos tão trágicos, há motivos para esperançarmos, acreditando num outro horizonte possível para as nossas vidas. Os profetas do agouro não conseguem roubar de nós esta esperança que se descortina no horizonte. O Deus da vida nos faz acreditar que algo de bom virá até nós. Acreditar nesta possibilidade é preciso, sempre!

Ontem, a noite, fiz uma experiência altamente gratificante. Participei de um encontro virtual de estudantes do ensino médio, quando trabalhei com eles as questões relacionadas aos povos indígenas. Procurei desconstruir alguns conceitos que ainda temos, como verdadeiros sobre o nosso processo de colonização. Na verdade, trazemos em nós uma herança colonial perversa, acerca dos povos originários, sobretudo porque, quem nos conta esta história são os colonizadores. Frente a esta situação, somos desafiados a fazer aquilo que Pedro chamava de “descolonização” e “desevangelização”, para sermos mais coerentes à história, como ela de fato aconteceu entre nós.

Amanheci ainda com o gosto do entusiasmo daqueles jovens que me ajudaram a esperançar. Um povo bonito, cheios de vida e ideias em suas cabeças. Eles nos fazem acreditar que nem tudo está perdido, mesmo diante de noticias tão trágicas, como aquela do médico infectologista, da cidade de Toledo, no Paraná, que foi espancado, nesta sexta-feira última (26/2), após alertar um grupo de pessoas sobre os riscos da COVID-19. Parece que a barbárie anda solta, quando “pessoas do bem”, provocam sinais de morte e do anti-Reino, em nossa sociedade. Serve-nos de alerta que eles não nos vencerão no nosso objetivo de provocar os sinais de vida, sinais do Reino.

Exatamente como soube fazer uma jovem da cidade de Lins, interior de São Paulo. Esta menina, Giovanna Venarusso Crosara, de apenas 24 anos, deu-nos uma demonstração inequívoca de amor ao próximo, quando viajou 2.199 Km, até a cidade Recife (PB), para fazer a doação de medula óssea, para salvar a vida de uma outra pessoa, que ela nem conhecia. Amor, empatia e solidariedade, tem nome e sobrenome na demonstração dada por esta grande mulher. São estes os tipos de sentimentos que faltam a muitos de nós, frente a este contexto tão triste desta pandemia. Oxalá que os nossos governantes tivessem este tipo de atitude para com aqueles que mais necessitam e sofrem.

Lembrando que estamos em pleno período da quaresma. Neste tempo, mais do que nunca, somos desafiados a rever as nossas atitudes, as nossas condutas, no intuito de melhor preparar para irmos ao encontro do Cristo Ressuscitado. Através da vivência de uma fé adulta, entendemos que a quaresma não tem fim em si mesma, mas se faz um caminho para abraçarmos a pessoa de Jesus vitorioso, dando-nos mostras de que a morte não tem a última palavra, mas a vida prevalece, apesar das estruturas de morte que são arquitetadas pelos anjos da política necrófila.

Mediante a este contexto, agora estamos entendendo melhor o porquê da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 ter gerado tamanha celeuma. E não é pela temática em si que está posta em nossa realidade e nem porque ela foi pensada por esquerdistas, petistas ou por arautos da Teologia da Libertação. Ela está incomodando porque, uma classe de pessoas presentes entre, nós sente-se provocada porque a CFE está dando visibilidade a um contexto de morte, gerada por alguns poucos privilegiados que vivem dos louros de uma sociedade estratificada, desigual e desonesta, cuja concentração de renda os beneficia diretamente. Também por uma igreja conivente, indiferente e omissa, perante a esta realidade de desigualdade. Uma igreja que quer continuar de mãos dadas com a elite do atraso, vendendo sua alma ao diabo, o pai e mãe da mentira.

Ter uma fé adulta e não adúltera, é nos comprometermos a assumir um compromisso com Jesus, de lutar por outra realidade possível, diferente desta que aí está. Os tempos são difíceis e tenebrosos, mas não podemos ter medo de lutar por aquilo que acreditamos, fundamentados em nossas convicções. Como dizia o nosso poeta, profeta Pedro, “O contrário da fé não é a dúvida: é o medo. E não se pode ter medo do medo!” Somos chamados à construir uma nova história. História de mudanças, que virão através de um processo histórico. Não de uma mudança que acontece da noite para o dia, mas que se dará através dos sinais do Reino que formos fazendo acontecer entre nós. “Teu Reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão…” Que possamos esperançar, construindo sinais de esperança do Reino como no livro que virou filme, “Descalço sobre a terra vermelha”

 

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